Literatura: uma salvação.
Assim inicio esse texto, pois querendo falar de Sérgio Vaz, após a leitura de seu livro Literatura, pão e poesia, o primeiro que me chegou às mãos, confesso que o olhei meio enviesado. Queria saber o que que esse poeta teria de tão bom que vem chamando a atenção de editores, críticos e leitores de maneira demasiada. Falam por aí que sua poesia é marginal, por ser ela da periferia, por estar ‘despreocupada’ com uma escrita mais formal, o que contribui para um melhor ‘relacionamento’ com pessoas que não possuem, ainda, a mania de ler.Talvez o pensamento positivo que ande sendo reverberado sobre o Vaz seja porque, além de ter escrito alguns livros que evidenciam sua preocupação com a linguagem literária, estando ela mais perto da coloquialidade, ele tem conferido à Zona Sul de São Paulo, há mais de uma década, um dos maiores saraus da ctidade, o tão conhecido Cooperifa, que faça chuva ou faça sol sempre ocorre no bar do Zé Batidão. Talvez o poeta tenha “ido longe demais” porque a sua escrita, em uma primeira leitura, pode ser considerada detentora de uma pitada de ‘autoajuda’ (apesar de não ser essa a melhor palavra para definir o que percebo em sua escrita), mas com quilos de uma poesia que é notavelmente profunda.
A verdadeira arte não embala os adormecidos. Desperta-os
Enquanto lia Literatura, pão e poesia, me perguntava por que os textos que ali se inseriam eram tão distintos entre si e, ao mesmo tempo, tão parecidos, com uma delicadeza de quem percebe os movimentos do viver das coisas que estão ao nosso alcance ou não. É fato que é isso que o poeta faz, observar mais atentamente a realidade, mas, perante essa nova poesia contemporânea, parece que muito disso anda esquecido e que estamos apenas a deleitarmo-nos num abstracionismo que não nos remete a quase nada.
O que Sérgio Vaz produz é uma literatura de acesso. E espero que essa alcunha não seja sentida de maneira negativa, uma vez que o que desejo é elevar sua poesia. Ele escreve como quem fala, contando uma história quase rimada, como se tivesse a sua frente uma plateia que clama por histórias. Tem em si o poder da oralidade, parece ter entendido muito bem o que se fazia na Antiga Grécia. Talvez isso seja reflexo, também, da sua movimentação frente às dificuldades enquanto tentava vender o seu primeiro livro, tentando chamar a atenção do público recitando textos em locais diversos para tentar viver da literatura, como já contou em inúmeras entrevistas. Talvez ele tenha consigo a importância que um poeta tem junto à comunidade, contribuindo para que ela possa se conhecer melhor, se sentir melhor mesmo com tantas agruras da realidade. O que parece, no meu ponto de vista, ter sido deixado de lado por vários novos expoentes da literatura brasileira, estamos mais “umbigóides”, menos coletivos, ao contrário de Sérgio Vaz. Muito se fala quando as câmeras estão voltadas para nós, desejamos inúmeras vezes o bem maior, e empurramos a culpa para o governo, que deveria fazer isso ou aquilo, ou afirmamos contundentemente que a leitura poderia contribuir para que a sociedade fosse mais engajada, enquanto nós não nos engajamos. Vaz não espera, ele age, pois para ele, ao contrário do que Sartre acreditava, “o inferno somos nós”. É o artista o maior responsável pela difusão da literatura ou da leitura.
O artista é a última linha da sociedade, quando ele desiste é porque não resta mais nada.
E o que resta do livro de Vaz? Resta a sinestesia dos gêneros em seu livro, pois ainda não decidi se o que li foi poesia, crônica ou contos. Além disso, as críticas que ele constrói, evidenciando a falta de leitura, a diferença social através da literatura entre as pessoas me convenceu de que, cada vez mais, sabemos menos do que somos capaz. Talvez daí surja o nome do livro de Vaz, Literatura, pão e poesia.
Conheço poeta que não lê, jornalista que não gosta de notícia, médicos sem remédio,
professores que não estudam justamente porque acham que se formaram,
como se sabedoria se medisse por grau ou degrau.
Sérgio Vaz tem a facilidade de conseguir se aprofundar em alguns temas e isso me deixou de sobreaviso, como ocorre nos “Contos celulares”. A amizade, presente no conto nº 1 é discorrido num diálogo tão pontual, que pode enganar pela sua ‘superficialidade’, mas que aponta para um amor quase descomunal entre dois amigos que queriam ‘apenas’ se falar. Evidenciar esses momentos, que podem ser tidos como clichês ou banais, de maneira a nos fazer mais humanos, faz de Sérgio um observador nato, não só porque vislumbra a realidade com olhos de poeta, mas por entender que em tudo, literalmente tudo, há poesia. Não existem possibilidades, só certeza.
O que sobra de Vaz? Poderia dizer que as inúmeras ‘frases de efeitos’ e ótimas histórias que acabam se tornando um ensino de vida, como se fossem um anúncio do que poderá acontecer conosco, e talvez isso afaste os mais puristas, pois podem acreditar que isso não poesia, mas uma maneira de se autoajudar. Porém, não seria a escrita uma maneira de nos salvarmos?
Por fim, em meio a tantos ‘causos’ e narrativas que desrespeitam as regras, os aforismos, se é que posso assim chamar, do poeta são como balas perdidas durante a leitura. Elas se desprendem entre as histórias de uma maneira que acabamos por nos sentir incomodados, é aquele momento em que nos mexemos de um lado para o outro, sem saber como agir ou sem saber o que pensar, pois nada mais poético do que utilizar-se do real e de nós mesmos para nos fazer sentir menos infernais e mais humanos:
Ninguém é obrigado a ajudar o próximo,
nem a ficar de braços cruzados.