Por Nathan Matos
17 de novembro de 2014
Céu Azul? Não, Seu Azul!
Allyson gosta de ser chamado de Céu Azul, mas, por ser muito novo e não conseguir escrever ainda corretamente, acabou virando Seu Azul. Tudo por causa de um jogo que não lembro o nome e que provavelmente você também irá esquecer, contudo com certeza você não vai tirar da memória Giuliana e Fernando, um casal que aparentemente vive em eternas brigas e que precisa se submeter à terapia conjunta para viverem felizes.Seu Azul, livro de Gustavo Piqueira, publicado pela Lote42, chamou a minha atenção (e a de vários outros leitores) desde o momento em que foi publicado. A verdade é que fiquei encantado com a ideia de possuir areia colada na cada do livro! Sim, pode parecer baboseira um livro possuir capa na areia, mas aquilo não saiu da minha mente um só segundo até o momento em que ele me chegou pelo correio, dentro de um saquinho para que os grãos não pudessem fugir.Aquela areia, pensava e penso eu, deveria ter algum sentido, um significado oculto, uma representação que o autor (já que foi o responsável pela criação da capa) queria passar, mas que eu não sabia, e nem sei, qual seria. Mesmo agora, tendo terminado a leitura do livro, ainda olho para ele e não consigo entender por quais motivos essa areia está colada na capa. Pode ser tudo apenas uma questão de marketing, como os próprios “Anuncie aqui” presentes no início do livro; pode ser a representação da vida, que sabendo que existem momentos agradáveis, como a leitura de um livro, ainda assim é necessário passar por algumas dificuldades, como segurar um livro com capa de areia, que descola e fica sujando tudo ao seu redor, para poder sentir prazer, se deliciar com os momentos.
Contudo, parece que o casal monótono, que pretende viajar para Marte, que não consegue sair da rotina, que precisa da ajuda de um especialista, não consegue ter um momento de prazer em conjunto. Por isso se submetem ao exercício ininterrupto que seu terapeuta mandou realizar durante três longas semanas. Todos os dias, durante o jantar, eles têm de ir aos portais mais conhecidos do país e retirar de lá títulos de notícias (diga-se de passagem, o autor faz questão de avisar que as notícias são verdadeiras, o nome das pessoas não) para serem discutidas.Durante esse momento, eles também deveriam dar a Allyson uma folha de papel e um estojo de crayons. Assim, o filho deles deveria realizar uma representação do que ocorria no jantar. Até aí tudo bem, mas a partir do momento em que o leitor começa a visualizar os desenhos de Allyson ele poderá ficar um pouco apreensivo, como eu fiquei. A justificativa que o terapeuta dá aos pais é que:
O desenho desenvolve a visão de mundo individual, potencializa o direito de expressão da criança. E cria um diálogo indireto com o sujeito parental.
A verdade é que no decorrer do livro, que consegue manter o leitor preso à leitura, mesmo que tenha que segurar areia em suas mãos durante algumas horas, fiquei ansioso com o que poderia vir a ocorrer. O livro gira em torno dessas três semanas de conversas e discussões, onde retratam a vida cotidiana de um casal que obviamente representa milhares de outros casais, e isso acaba nos dando certo receio, vendo que há uma criança ali que em nenhum momento fala, apenas desenha.
Entre os intervalos dos dias, dos capítulos do livro, é possível ver os desenhos que Allyson faz ao final de cada jantar. Apenas três cores aparecem, o azul, óbvio, o preto e o vermelho. As ilustrações vão ficando, cada vez mais, evidenciando o que o filho do casal pensa sobre aquele momento “agradável” em família. Parece que realmente o desenho potencializa o que Allyson deseja dizer, enquanto seus pais não dão a mínima para ele, o que acaba descambando para o que acontece ao final do livro, permeado de desenhos que representam o que o leitor melhor achar.Além disso, o projeto gráfico que Piqueira fez em sua obra é de se chamar atenção, não apenas quanto à questão do projeto gráfico de apresentação da capa do livro ou das primeiras páginas, mas as tipografias que utilizou para diferencias todos os personagens, não apenas Giuliana ou Fernando, mas as do filho, do porteiro, da tia. Eu já havia visto algo parecido em algum livro que não me lembro qual, mas o que não havia visto são as técnicas que ele se utilizou para representar dois personagens falando ao mesmo tempo ou para demonstrar quando Fernando estava embriagado, fiquei sem entender no início, cheguei a pensar que teria sido um lapso da editora, mas no contexto, claramente, foi possível chegar à conclusão que tudo era proposital.Portanto, o livro de Gustavo Piqueira incomoda, apesar de fazer rir. Incomoda porque nele há certo disfarce para encobrir o cotidiano ali presente. Há a desfaçatez de um casal que não tem a mínima coragem de mudar, que faz de tudo para continuar da mesma maneira. Um filho que não consegue se expressar, devido à idade e ao descaso dos pais. Há também uma angústia azul, que se move e se transforma ao longo das páginas, que mesmo sussurrando grita querendo ajuda, assim como ocorre em nossos dias, mas deixamos de olhar, viramos o rosto e finjamos que nada acontece ou aconteceu.
Entendo o livro Seu Azul como algo que quer mostrar o cruel sob o manto da beleza ou do estranho gráfico que existe envolto no livro. Seu Azul é Allyson, mas também qualquer um que está ao nosso redor. A verdade é que isso pode soar clichê, talvez eu tenha poderes críticos para desvendar melhor o conteúdo do livro. Talvez seja isso, e você, muito dificilmente, vai apontar isso pra mim, vai preferir fingir que não leu, que não viu.
Gustavo Piqueira fala sobre o livro Seu Azul