O casamento
Primeiro seria o lugar. Pensou em praia ou campo, mas com certeza um lugar aberto. Os ares de liberdade seriam os únicos a serem respirados por ela a partir daquele momento. Praia seria interessante pela presença e o som do mar que dariam um toque especial ao evento, mas a areia poderia incomodar alguns convidados. Campo seria até melhor, mas teria que ver com algum colega a possibilidade de um sítio ou chácara que, imprescindivelmente, deveria ter um gramado extenso e folhagens generosas. Teria que pensar melhor sobre isso. Teria um tempo, os demais detalhes exigiam mais no momento. O que servir? Frutas, ponche, vinho branco. O casamento seria pela manhã, quando tudo está mais fresco, mentes e clima. Alguns acepipes (olha aí mais uma vez sua avó e seu vocabulário de palavras e expressões arquetípicas) fáceis de pegar, diferentes e saborosos. Crepes crocantes com recheios variados e exóticos. Tudo da melhor qualidade. Frutos do mar seriam uma boa pedida para o almoço. Talvez a praia fosse realmente uma boa opção. Comidas frias e saladas, por conta do casamento ser de manhã. Algumas cadeiras, espreguiçadeiras e mesinhas ficariam espalhadas pelo lugar. A mesa com os acepipes (ai, vó, me deixa!) e a comida ficaria ao fundo, com uma toalha branca bordada e muitas flores decorando. Flores era outro detalhe muito importante. Pesquisaria o significado de cada uma delas para que só estivessem na mesa aquelas que representassem exatamente aquele momento tão especial. Algumas orquídeas raras, angélicas, flores do campo, não sabia ainda, a certeza era apenas de muitas cores se espalhando pela mesa e por toda a decoração. Logicamente a cerimônia seria realizada de forma ecumênica. Nada de estarem vinculados a alguma religião. Uma benção com palavras bonitas e citações de poemas. Já tinha até escolhido alguns, que aguardavam o momento exato de serem falados. Momento exato. Importante isso. Ela e o noivo vestiriam roupas iguais: túnicas brancas de algodão cru. Sim, nada poderia ser maior que o brilho que os dois emanariam, nem mesmo as roupas roubariam a atenção dos convidados. Nada de véus ou coisas que se colocassem no meio do caminho. Apenas uma guirlanda de flores ornaria seus cabelos. Poderia distribuir similares para as convidadas. Ou não. Pensaria melhor nisso. Entraria sozinha como sempre fora, um buquê simples nas mãos e um sorriso aberto nos lábios. Ele estaria lá, aguardando por ela, sorrindo também. Seriam abençoados por todos e aproveitariam a festa junto com os convidados. Voz e violão fariam o som, sentados ali mesmo junto a todos. Voz, violão e percussão, assim dariam um pouco mais de impacto. Todo mundo dançaria e riria feliz com o enlace. Iriam embora ao final da festa. Viajariam para algum lugar simpático e aconchegante. Estava definido. Apesar de faltarem alguns detalhes técnicos, seria assim.
- Já deu o horário. Você vai ficar aí?
Assustou-se com a voz da colega. Também a idiota não precisava invadir seus pensamentos dessa maneira tão sem cerimônia. Nem sabia se a convidaria. Era meio antipática a dita cuja, sempre preocupada com as disposições formais do escritório e com uma certa grosseria inconveniente a qual autodenominava de sinceridade. Disfarçou a surpresa e os devaneios matrimoniais que a entretinham:
- Estou terminando aqui. Pode ir que eu fecho tudo.
A outra não discutiu e se despediu antes que alguém a pedisse para ficar. Olhou para o relógio. Seis em ponto. A danada da colega não ficava um minutinho além do horário. Estava certa. Não se pode dar moleza para o patrão. Não era o momento de pensar nessas coisinhas pequenas de escritório. Tinha planos maiores. O que estava faltando mesmo... Ah, tantas coisas! O esquema estava pronto, mas tudo precisava ainda ser mais organizado, afinal quem não tem competência não se estabelece (vó, não vou mais discutir com você...). A música. Sim, a música. Além do pessoal para tocar precisaria elaborar uma lista com as suas preferências. Era bom misturar um pouquinho também para agradar todos os gostos. Começaria com músicas mais leves, uma bossa nova, um MPB anos 60 e 70, quando ainda se fazia coisa boa e todos sabiam as letras de cor. Depois um pop rock dos anos 80 e 90, porque lembrava sua adolescência. Sentiu-se velha. Melhor nem pensar. Música boa é aquela que toca a alma e no seu casamento tocaria o que ela bem entendesse. Olhou para o relógio de novo. Seis e meia. Esses pensamentos comem as horas mesmo. Hora de ir para casa.
O caminho de casa era o habitual. Nada de novidades por enquanto. Depois do casamento aí sim sua vida mudaria. Passou na padaria para comprar alguma coisa para o lanche. Caminhou na rua úmida da última chuva, com cuidado para não escorregar. Do trabalho para casa era bem rápido, uma condução e um tantinho a pé. Não tinha pressa para chegar. Subiu as escadas escuras. Terceiro andar sem elevador. Pensaria melhor na hora de alugar um apartamento. A porta se abriu exalando um silêncio ensurdecedor. Ligou a TV para ouvir alguma voz. Preparou o lanche com esmero, pão, ovo pochê e uma xícara de chá. Comeu despida de pensamentos. Um banho longo, uma leitura curta de uma autoajuda qualquer de sua coleção infindável. Trocou-se para dormir. Era bom mesmo dormir cedo, Deus ajuda quem cedo madruga (nem vou falar mais nada, vó). Olhou para o telefone. Não iria tocar naquela noite. Nem na próxima. Nem nas próximas. Cobriu-se por hábito. Estaria só. Como sempre.