23 de setembro de 2014

A poesia de Francisco da Silva

ADORNO

Concretizo o perdido
na estrada que flutua no tempo:
rasgando vales improváveis.
Os corvos perdem suas asas,
trivial que sou,
fazem ninhos em mim
moram em mim
são ourives de minha tez.
Sou ninho de corvos
na ufania de minha lembrança
conto histórias
aos corvos
limando o tempo:
o sútil adorno
de minha poesia.

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MOLDURA

Na parede flutua
um retrato:
a arte velada
nas linhas levianas
da testa:
árvore que revela
a duração das estações
e a insalubridade
dos dias.
Inverno n’alma
da fotografia,
mas a primavera ronda
como moldura.
O retrato
que traz o tempo:
manipula a fatídica
metafísica.
No retrato, por um tempo,
o homem é Deus
Tua imagem reverbera
em gerações,
lembrando que a pele
se vai
que a árvore morre,
mas as raízes
ainda permanecem.

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ANTAGÔNICO

Sucedeu que preferira
pedras, coisas, linha reta,
o que o levara a exilar
de si um outro poeta...
Ruy Espinheira Filho

Dentro do poeta
ri outro poeta
que atravanca (sem pudor)
o verso perpetrado.

Ri da dessemelhança
de si e do poema passageiro
ri da falência
do sonho do poeta hospedeiro.

Cada riso do poeta-parasita
é uma lágrima partida,
cada rima frustrada
é a alegria do poeta-nada.

Dentro do poeta
ri outro poeta
(nunca ouviu-se seu choro)
porque é feliz, ri em coro...

O poeta-nada ri do poeta
que rimou gato com rato
que ensejou ser profundo,
mas sempre foi raso.

Neste teatro mágico
de intranquilo palco
apenas um poeta ri,
e outro ouve o aplauso.