Por Nathan Matos
24 de agosto de 2014
Jogo sem labirinto
Julio Cortázar é um dos nomes mais conhecidos da chamada Literatura latino-americana. Há cinquenta anos, publicava, pela editora Sudamericana, de Buenos Aires, uma obra considerada vanguardista. A estrutura de Rayuela, nome original da obra de Cortázar, mais conhecida no Brasil como O jogo da amarelinha, é conhecida até mesmo por quem nunca leu ou lerá o livro.
Construir um livro com a possibilidade de haver duas formas de leituras não é fácil. A problemática que envolve esse tipo de leitura é uma só: as duas leituras podem se transformar em interpretações quase infinitas. Daí a dificuldade em se conseguir chegar a um consenso quanto à interpretação na leitura d’O jogo da amarelinha; e de se acreditar que o romance pode se transformar em um ‘romance de ensaio’, pois as narrativas se desenvolvem na forma de ensaio, com interrupções, saltos e indecisões.
Dispor um livro em 56 e/ou 155 capítulos ao mesmo tempo não é algo que faça um leitor se apaixonar. Ainda mais quando se sabe que Oliveira, personagem principal, realiza uma busca de algo que nem ele mesmo sabe o que é. A dificuldade da leitura e em definir a obra parta, talvez, da própria incoerência da busca de Oliveira.
Encontrar algo definido é o difícil nessa obra tão arredia, tanto para Oliveira como para Maga, por quem é apaixonado. O que se percebe neles é que há um caminho sendo traçado, criando uma irrealidade, que aqui toma outros significados, mas no sentido da vida real, que sempre parece ser burlado pelos diálogos criados entre Oliveira e seus amigos, excluindo sempre a pobre Maga, no Clube da Serpente.
Entre todos os personagens que permeiam o livro, Maga é a única que aparenta ser inocente. Sua ignorância é mostrada pela falta de conhecimento que possui não somente no campo das artes, mas quanto aos assuntos do cotidiano. Ela se preenche apenas pela presença de seu filho, Rocamadour, que morre, na metade da leitura do que seria o primeiro livro construído por Cortázar. Tal cena é demonstrada absurdamente pelos que se encontram presentes em seu apartamento. Percebem quão difícil será contar a morte de Rocamadour a Maga e ficam a divagar, fogem da vida real e criam uma nova realidade, uma irrealidade, de como tudo terá de ser construído a partir daquela morte. E daí se dará a mudança de espaço na obra. Oliveira, que residia em Paris, retornará para a Argentina e lá outra trama amorosa se iniciará.
Mas a morte não importa. O importante é perceber como Cortázar quer quebrar a nossa visão costumeira que temos sobre a vida real e a nossa realidade, assim como faz em um dos seus contos mais conhecidos: A auto estrada do sul, que mostra de que maneira a narrativa foge dos padrões pré-estabelecidos, e como funciona o ser humano. O escritor argentino tenta moldar a nossa realidade a partir de hipóteses criadas por diálogos filosóficos, principalmente, mostrando que existe muito mais ao nosso redor do que a criação de uma irrealidade. Faz que o leitor se instale nas histórias dos personagens, utilizando-se de situações que nos rodeiam, para que participe da história e se ponha no lugar das personagens, trazendo o aprendizado dos mesmos para si. Como exemplo, temos os vários nicaraguenses, que após a leitura do livro, resolveram participar da Revolução Sandinista, na Nicarágua, nas décadas de 60 e 70 – a qual o próprio escritor apoiava.
A disposição dos 155 capítulos, presentes em O jogo da amarelinha, não cria, de forma alguma, no meu entender, um labirinto; apesar da busca sem objetivo de Oliveira. Cria – diante de capítulos curtos, de diálogos, por vezes enfadonhos, de um romance que pode ser tido como um grande ‘romance de ensaio’ – um leitor que não tem o direito de se perder, de erguer labirintos, pois há o texto. A escritura está presente e é ela quem mostra os caminhos para as interpretações possíveis, que sim, hão de ter um fim, mesmo que esse seja o início de uma nova história, que tenha os mesmos personagens e que tragam novos desesperos para quem o lê.