Sujeito, Verbo e Predicado
Os demais professores há tempos não permitiam que os três sentassem próximos dentro de sala, mas bastava separá-los para a situação tornar-se ainda pior: uma incessante chuva de bolinhas de papel uns nos outros, nos extremos da sala. A solução parecia ser sempre a mesma: que fossem os três se resolver com a diretora, que professor não era obrigado a aguentar vagabundinho a atrapalhar suas aulas não, havia quem queria aprender!
Os outros alunos tinham receio em olhar para os três, rolavam soltas umas lendas sobre eles que espantavam e circularam da diretoria à biblioteca; nada concreto, mas este ridículo temor era talvez o motivo da não expulsão dos três. A verdade é que os meninos eram um tanto mal encarados, e sempre tiravam as blusas da farda na saída do colégio, antes de dobrar a esquina da casa de fogos, na direção contrária a de suas casas.
Tudo o que conseguiam com os assaltos nos bairros distantes era dividido entre os três, sempre uma partilha na qual se preservava pela igualdade, para não haver desavença entre o trio. Eram viciados no que faziam, e faziam com excelência, pois nunca haviam sido pegues em suas aventuras de final de tarde. E começaram a correr as notícias de três “mirins” que estavam tocando o terror no bairro da Nascença, diziam que a situação estava ficando terrível e que os residentes do local já não aguentavam mais. Um grupo de moradores se juntou para tomar providências quanto ao caso dos moleques da favela, e então decidiram pela contratação de um policial aposentado que havia se mudado do bairro há alguns anos, mas havia resolvido problemas como aquele incontáveis vezes.
Era um fim de tarde de sexta-feira, que nem era treze, quando os meninos abordavam, no final da rua, uma moça branquinha, que tinha nas mãos duas sacolas de uma loja grã-fina, e só faltava que ela entregasse o celular importado quando, no outro extremo da rua, apareceu Seu Fardêncio, o tal policial aposentado matador de “guri malandro.” Verbo, o mais taludo dos três, que se chamava Jeferson, foi o primeiro a gritar: “Correr, negrada!” Sujeito e Predicado - Cláudio e Iago, respectivamente – soltaram as facas enferrujadas no chão e correram atrás do Verbo, que estava mais à frente. Dobraram a esquina com a hiena em seus calcanhares, com um arma cor de prata (porque ele tinha nojo de preto) empunhada e pronta para matar menino sem identidade, mas os meninos corriam ligeiro, até que se viram no final de um beco sem saída, que tinha os muros bem altos e impossíveis de ser escalados. Estavam nervosos. Sujeito até parecia querer chorar, mas mantiveram-se firmes e, juntos, como sempre estiveram, correram como espartanos para cima dos pipocos das aves-balas que vinham zunindo da entrada do beco. “Bora pra cima que ele não pega nós três não, negrada!”
Dia seguinte deu no noticiário que a gangue do bairro vizinho havia matado os ladrõezinhos que estavam tirando o sossego da Nascença, “três marginaizinhos” – enfatizou o apresentador do noticiário das 18:00h. Vestida de falso luto, a escola continuou as atividades normalmente. Na segunda-feira da semana seguinte, a mesma professora de português, nas turmas de sétimo ano, anotava no quadro uma das classes gramaticais: “hoje veremos Adjetivo, que qualifica os seres bonitos, igual a você, minha flor” – disse a professora, alisando os cabelos de Marina, a menininha nova da escola, que todos diziam ser esquisita e estranha por sentar com as perninhas um pouco mais abertas que o normal, mas ninguém nunca se interessou em saber o porquê.