Túmulo no monte Cáucaso
Sinto minha mão trêmula, acho que é o peso que ela sustenta. Não estou acostumado ao peso do metal. Não estou acostumado ao peso da situação. Sou apenas um homem. O céu está azul turquesa e eu tremo sobre o Cáucaso. Tremo como o homem que encara os olhos do diabo. Porém, hoje a mão que treme, a minha mão, será aquela que castiga, serei eu quem escreverá o epitáfio neste túmulo entre o mar Negro e o mar Cáspio.
Ouço vozes no interior da casa. O vento sopra mais forte e deita a folhagem que me esconde da rua. Posso ver meu carro, vermelho e brilhante. Sinto um pouco de tristeza quando penso nele queimado, a quilômetros daqui, mas é necessário. Vermelho e brilhante, por um momento sua cor vai escalar o ar em labaredas. É engraçado pensar nas chamas sobre o carro, no fogo em minha mão... É, sem dúvida, uma oferenda a Prometeu. A justiça dos homens sendo praticada sobre seu cárcere.
Ouço vozes no interior da casa. Penso nela. Imagino seu terror ao ouvir esta mesma voz. Imagino seu terror. Sinto náuseas quando a porta se abre.
Ele sai. Não me vê. Está vestindo um uniforme azul turquesa. O céu é azul turquesa. É seu dia. Minha mão treme. Endireito meu dedo junto ao metal e, quando ele passa por mim, tento sair devagar de entre as plantas, debaixo das árvores do jardim. Hoje o vento sopra mais gelado. Piso em um graveto e ele estala alto. Sinto náuseas. Tento ser silencioso, mas o homem se vira. Tremo. Encaro os olhos do diabo. Minha mão pesa. Ele me encara e pareço ter mil quilos na mão direita.
Sinto que sou reconhecido, já faz tempo, mas momentos como aqueles não se apagam “O que é isso? O que faz aqui!?” – olha minha mão – “Eu já fui inocentado, você...”. Hoje eu sou o castigo. Minha mão está apontada na altura de seus olhos. Cuspo fogo. Penso nela enquanto o vejo cair. Sua perna treme e sua camisa já não é azul turquesa. Penso nela e puxo o gatilho mais uma vez. E outra. E outra. Não é mais tão fácil identificar seu rosto, porém é mais fácil encará-lo. Sinto nojo. Penso nela. Venci o diabo. Não tenho medo, arranquei os olhos do mal. O vento sopra forte e as folhas das árvores cantam. Vejo meu carro e corro até ele. Obrigado, Prometeu. Penso nela e sorrio.
por Luiz Fernando Pierotti