Por Nathan Matos
14 de julho de 2014
Não esqueci de como voltar
A verdade é que tenho lido, ultimamente, muita literatura contemporânea. Às vezes, sinto inveja de mim mesmo quando lia apenas os clássicos universais. Aos poucos, fui observando que se fazia necessário acompanhar a produção nacional, nada fácil de se conseguir. Porém, novas veredas foram se abrindo, novos romances, novos autores foram surgindo e acabei por me ‘perder’ entre a literatura contemporânea nacional e de outros países.
Não é nada fácil acompanhar os lançamentos das grandes editoras e não tem sido fácil, também, acompanhar os autores editados pelas pequenas editoras. Os escritores são muitos e a dificuldade para ler devido ao tempo é enorme. Por isso tenho que estar sempre atento ao próximo livro que irei ler.
Entre as escolhas que faço, há sempre dois autores que me fazem parar qualquer obra que eu esteja tentando ler. Valter Hugo Mãe, talvez o meu escritor predileto, hoje em dia, e segundo o chileno Alejando Zambra, que com uma escrita ‘maliciosa’ enraizou-me em seus vasos feitos para Bonsai, são os autores que realmente chamam a minha atenção. O primeiro por cuidar de temas que me interessam profundamente e que deveriam interessar a todos. O segundo por ter inventado uma nova forma de escrita que prende, com um tom intimista que não transborda e nem deixa a desejar.
É difícil, em meu ponto de vista, não querer terminar um romance do autor chileno. Tendo em vista que os seus dois primeiros romances publicados pela Cosac Naify – Bonsai, 2012, e A vida privada das árvores, 2013 – são livros curtos, parece-me que Zambra vai, aos poucos, desdobrando a sua escrita, chegando agora a pouco mais de 150 páginas para nos contar uma nova maneira de voltar para casa, para os sentirmos bem.
Formas de voltar para casa é uma obra pode ser tida como um livro de memórias ou uma narrativa dramática. A infância perdida, relembrada a partir da história recontada por Claudia ao narrador e autor do livro, nos leva a um Chile que se escondia sobre a ditadura de Pinochet. Assunto que, aparentemente, ainda é difícil estar presente entre obras atuais, principalmente no Brasil, onde a população parece ter esquecido que esse regime existiu.
A obra do autor chileno nos conduz a um lugar esquecido entre os dedos gastos pelo cigarro da mãe do narrador, que se esconde do marido para fumar, e que pela falta do filho fica a repetir, sempre que se encontram, o quão bom seria se ele não tivesse ido embora.
Saí de casa há quinze anos e mesmo assim ainda sinto uma espécie de ponta estranha ao entrar neste cômodo que era meu e agora é uma espécie de despensa. No fundo há uma estante cheia de DVDS e os álbuns de fotos encurralados contra meus livros, os livros que publiquei. Acho bonito que estejam aqui, junto às lembranças familiares.
O narrador, ao qual o leitor não deve acreditar que é o próprio Zambra, pois de certa forma tudo é ilusório, conta parte da história da sua vida. Sozinho, ainda separado de Eme, relembra a história de Raúl e de Roberto. Homens estes que estão ligados à história de Claudia, na verdade é o mesmo homem, e que Claudia só contará a Aladino, como chamava o autor do livro anos depois, quando se reencontram, e quando Rául e Roberto estão mortos na mesma cama.
A volta de Claudia representa no decorrer da narrativa uma volta ao passado, a mesma que Aladino busca enquanto escreve o livro, este mesmo livro que Zambra intitula como Formas de voltar para casa. Essa volta ou busca pelo passado dói aos dois. Porém, parece que Aladino está menos preocupado com tudo isto, pois já tem consigo como irá terminar. Claudia, por outro lado, com uma mente inquieta, deixa o narrador na sombra, enquanto dorme, tranquilamente, no quarto antigo de Aladino na casa de seus pais.
Essa relação busca, mesmo que levemente ou profundamente, mostrar aspectos políticos que ocorreram no Chile. De forma que em certos momentos, nos diálogos, fica visível a importância que o autor, Zambra ou Aladino, dá-dão a este tema:
Não posso evitar perguntar a meu pai se naqueles anos ele era ou não pinochetista. Eu perguntei isso centenas de vezes, desde a adolescência, é quase uma pergunta retórica, mas ele nunca admitiu – por que não admitir, penso, por que negar durante tantos anos, por que continuar negando?
Meu pai guarda um silêncio áspero e profundo. Finalmente diz que não, que não era pinochetista, que aprendeu desde menino que ninguém ia salvá-los.
Nos salvar de quê?
Nos salvar. Nos dar de comer.
Mas o senhor tinha o que comer. Nós tínhamos o que comer.
Não se trata disso, diz.
Talvez não se trate disso que o autor tem em mente. Não falar da ditadura, mesmo quando relembrando o passado, ainda seja complicado para quem a viveu e pode a entender. Talvez Raúl e Robert, que eram a mesma pessoa, poderia ter tido uma melhor aparição no primeiro capítulo do livro, chamado Personagens secundários, mas talvez o que importe mesmo é a infância que ocorria enquanto os adultos viviam uma história muito diferente da deles. Aladino e Claudia parecem estar perdidos num tempo em que sua geração ainda não se acostumou a viver em paz.
Diminuir, porém, o livro a apenas aspectos políticos não é o mais interessante. Observar a maneira como a construção da história se desenvolve é instigante e nos devora, de uma maneira que nos faz esquecer como voltar para casa, para a memória. Ao mesmo tempo, leva-nos a rememorar o que acontecia em nossa época de infância, enquanto brincávamos e o mundo se automutilava. Talvez seja mais interessante observar a ausência de presente nesses personagens, os quais parecem necessitar do passado para viver, como a mãe de Aladino. Parece que tudo, atualmente, está tranquilo, mas as crianças crescem e brincam enquanto os países se fazem em pedaços.