Perfil Poesia Brasileira, Cassiano Ricardo: “Como amanhecer em meio a isto tudo”?
"A instantaneidade me trouxe a graça da imobilidade"
Cassiano Ricardo
O escritor, que só veio Falecer com 78 anos, no dia 14 de
Janeiro de 1974, iniciou sua carreira com o livro de poemas Dentro da Noite (1915), de versos parnasianos, tendência que segue também no segundo livro, A frauta de Pã (1917). Nessa Primeira fase consegue arrancar elogios de Poetas Célebre do Parnasianismo, Olavo Bilac, Alberto de oliveira, Luís Guimarães Filho, entre outros, destacaram a habilidade do jovem promissor ourives do verso.
Porém, a mudança, essa sim, junto com a consciência do verso serão as únicas companheiras do Escritor, assim, Cassiano torna-se um dos principais entusiasta do movimento modernista no Brasil, aderindo o movimento verde-amarelismo publica o livro Martim Cererê (1928), com marcas do lirismo patriótico, próprio do movimento.
Contudo, a primeira grande ruptura de Cassiano consigo mesmo e com sua Obra deu-se em 1947, através de Um dia depois do outro (1947) e de seus subsequentes, Poemas murais(1950) e A Face perdida (1950). A mudança foi tal que poetas como Manuel Bandeira chegaram a dizer que essa era “A nova estréia” do poeta. Impressionado também Oswald de Andrade que afirmou: “E nós que tínhamos dele a medida do cidadão exterior, cumpliciado e de 'deveres e obediência civil', vemos com angústia e alegria que se quebraram seus ângulos oficiais”
Depois disso até a data de sua Morte, Cassiano não deixou de mudar, ousar, experimentar, buscar o verso certeiro, trouxe pra si todos os recursos modernos tipográficos, trabalhou com o espaço gráficos, com o vazio e o cheio da página, fazendo inclusive poemas concretistas.
Com tão vasta e diversa poesia, com tantas nuances e tantas revoluções, traçar um perfil intacto da poesia do autor é uma tarefa quase vã, Cassiano é um verdadeiro universo, uma América ainda não descoberta pelo mar de leitores brasileiros e do mundo. Porém, aqui fica cinco poemas para o deleite de nosso queridos Leitores, e digo, é só a Ilha Pascoal, se navegarem por esses verdes mares bravios, vocês conheceram um novo continente.
POEMAS
POEMAS
com a sua lanterna
mágica está sempre
no começo das coisas.
É como a água, eternamente matutina.Pouco importa a noite
lhe ponha a pena
do silêncio na asa.
Ele tem a manhã
em tudo quanto faça.
Além disso o amanhã
nunca deixará de ter pássaros.
conservemo-nos serenos.
Cada minuto de vida
nunca é mais, é sempre menos.
Ser é apenas uma face
do não ser, e não do ser.
Desde o instante em que se nasce
já se começa a morrer.
Café-expresso — está escrito na porta.
Entro com muita pressa. Meio tonto,
por haver acordado tão cedo…
E pronto! parece um brinquedo…
cai o café na xícara pra gente
maquinalmente.
nesta pequena noite líquida e cheirosa
que é a minha xícara de café.
A minha xícara de café
é o resumo de todas as coisas que vi na fazenda e me vêm à memória
[apagada…
[estrada…
Na minha memória pousou um pinhé a gritar: crapinhé!
E passam uns homens
que levam às costas
jacás multicores
com grãos de café.
uns olhos negros de cabocla a olhar pra mim
com seu vestido de alecrim e pés no chão.
Um cuitelinho verde sussurrando enfiando o bico na catléia cor de
[sol que floriu no portão…
E o fazendeiro, calculando a safra do espigão…
aqueles olhos de veludo da cabocla maliciosa a olhar pra mim
como dois grandes pingos de café
que me caíram dentro da alma
e me deixaram pensativo assim…
Mas eu não tenho tempo pra pensar nessas coisas!
Estou com pressa. Muita pressa.
A manhã já desceu do trigésimo andar
daquele arranha-céu colorido onde mora.
Ouço a vida gritando lá fora!
Duzentos réis, e saio. A rua é um vozerio.
Sobe-e-desce de gente que vai pras fábricas.
Compro um jornal. O Estado! O Diário Nacional!
Levanto a gola do sobretudo, por causa do frio.
E lá me vou pro trabalho, pensando…
Ó minha uiara de cabelo vermelho!
Ó cidade dos homens que acordam mais cedo no mundo!