2 de julho de 2014

Os poemas do ano da serpente



POEMA-CADEADO
Porque meus pulmões se encheram dessa fumaça.
E agora: ir para longe.
Tens a chave.
A chave para desvendar os poemas do Ano da Serpente (Penalux, 2013) é dada ao leitor logo no início do livro. A pista para decifrar o enigma do ano foi dada: fumaça. No final do livro, precisamente, no último poema, Tito de Andréa nos desvenda o enigma no trecho do poema Salmo número quatro:
Quando era menino.
me ensinaram que Shiva
sempre estaria nas fumaças
e
no creptar dos fogos,
Que é de sua natureza
ser mudança
e
destruição,
talvez daí
venham meus desejos de incêndio
e
minha vontade
de por tudo a perder
e ver subir
a fumaça ao céu.
Eis a chave: destruição e renascimento. A figura de Shiva – deus indiano – perpassa todo o livro. Como que abençoando o livro-serpente. Em outro verso, a questão da perdição reaparece, quando o poeta em um momento de devaneio, confidencia: “hei de me perder em breve”. Essa perder de si mesmo, nos levará ao conhecimento despessoal, ou, ao conhecimento desconstrutor de si. Melhor dizendo: haverá um novo ser após a perdição, esse pode ser um dos legados do ano da serpente: o transcender ao renascimento. O poeta Tito de Andréa faz bom uso da metáfora astrológica para construir um “diário” poético para o ano de 2013. Segundo o posfacio, escrito por Getúlio Zagreu, o livro foi captado no período de um mês.
Um dos poemas que evocam o aspecto transcendental atraves da destruição – morte – é o poema Morrer no mar. O subtítulo desse poema, com Caymmi e o mar da Bahia em pensamento, nos mostra uma intertextualidade com a canção do compositor baiano Dorival Caymmi que diz: “É doce morrer no mar/ Nas ondas verdes do mar”. A partir desse trecho, o poeta, também baiano, Tito de Andréa, nos sugere uma outra atenção ao mar da Bahia, que além de templo para ofertas a Iemanjá, também é local para renascimento. Lembremos que no ano da serpente, o renascimento é característica constante, isso é claramente também demonstrado pelo animal, a serpente, que constantemente troca de pele. Para o poeta, esse renascimento, ou, essa troca de pele, só será obtida ao morrer no doce mar da Bahia.
O Poema silêncio 2:31 da madrugada, nos passa uma ideia de reconstrução na vida do eu-lírico:
Agora chove e
cortinas vibram,
minhas janelas tremem.
É madrugada
e eu
já não tenho casa.
A ideia de retomada é indicada nas últimas estrofes, quando nos confidencia que não tem mais casa. O ato de estar desabrigado, nos passa a ideia de estar desprotegido. Mas é isso que as serpentes fazem, elas se desprotegem de suas peles, para abrigarem-se de uma nova “casa”, ou melhor, de uma nova pele. A superação é o fator chave para muitos poemas-serpentes.
O ano da Serpente, de Tito de Andréa, soou para mim não apenas como mero relato poético sobre experiências. Para mim, o livro é um monumento erguido a todos os que dia após dia, necessitam se reconstruir se desconstruindo.