Por LiteraturaBr
25 de junho de 2014
Luz. Câmera: Gravando!!
AVISO
A propriedade intelectual é roubo
A autoria é uma farsa
Copie e distribua sem culpa
(Aline Rocha)
O livro de estréia de Aline Rocha possui uma temática curiosa, constatei que são filmes em curta metragem em um livro de poemas. São poemas narrativos, que passam a atmosfera de que a autora saiu com uma câmera/papel filmando/rabiscando o que acontecia ao redor. Durante todo o Gravando (Patuá, 2013) a autora brinca com a linguagem cinematográfica. Na orelha do livro lê-se “Versão brasileira Herbert Richers” referência a uma das empresas de dublagem no Brasil, logo a brincadeira cinematográfica começa a partir da orelha do livro e segue por toda a obra.
A linguagem oriunda do cinema reaparece também na substituição de Sumário ou Índice por Cast. Esse termo, cast, é empregado no cinema para denominar o elenco de algum filme. No caso do Gravando a metáfora é empregada para fazer alusão aos poemas, que no caso, são os atores do ‘filme’ dirigido por Aline Rocha.
O poema que abre o livro, e também dá título ao volume, é uma espécie de prelúdio para os próximos minutos do filme/livro:
Gravando
porque a gente só sabe amar feito cinema
a gente é tudo fresco
e precisa ter a maldita cena
do casal correndo na chuva do beijo
em câmera lenta
ou então a gente ama feito novela
aquele melodrama todo
a gente devia era desligar a câmera
pra se amar, apagar as luzes
devia era se amar no camarim
me espera na saída
A ação, de algo sempre acontecendo, em movimento, nos remete mais uma vez ao título do livro: Gravando. Aline Rocha filma o cotidiano com papel e caneta, transportando o real/irreal para as telas da página em branco. A ação se paralisa na seção Fotografias. Nessa seção, os poemas são curtos e assim como todos os poemas do volume, possuem linguagem simples. Em Fotografias, a poeta pretende capturar o não-movimento, ou seja, são ações estáticas que complementam o todo de Gravando.
Como já comentei anteriormente, há poemas que se apresentam como curtas cinematográficos, em outras palavras, poemas narrativos. Um dos poemas que me fez ler com olhos de quem assisti a um filme, foi o Visita:
Visita
Pouco se sabe do dia em que Rosinha apareceu,
mas sua pele era mais dourada. O olho brilhava
que dava gosto. Dona Fátima já esperava no
portão, e a menina vinha calminha, dava pra ver
de longe. Longe, tão longe, que a vista até
doía de tanto forçar. Depois que Rosalinda chegou
até canção teve naquela casa, mas pouco se sabe.
O que se sabe bem é que no final da tarde, depois
do almoço, e depois do café, e depois do doce de
amora no pote, a Rosa deu um abraço esquisito de
forte naquela velha solitária, segurou bem a
cabeça dela e disse aquela frase que faz sentido.
E aí Dona Fátima estremeceu, e os meninos da
bicicleta pararam; o fusca que cruzava a esquina
parou; a Solange que varria a calçada parou;
e até a flor que caía do ipê também parou se
bem me lembro, e até eu que não fazia nada parei
quando a velha falou de um jeito meio calado
meio cantando, meio dizendo sem querer dizer,
mas na verdade dizendo porque tinha que ser dito.
Tudo parou quando Dona Fátima viu a menina
indo embora de novo e disse: Apareça mais.
O último poema do livro, Carta para Alcides, aparece lembrando um epílogo, desses que aparecem nos minutos finais, após os nomes dos bastidores de um filme. No trecho em que Aline diz que “os momentos decisivos precisam ser captados com astúcia e perspicácia, pois duram poucos segundos, talvez milésimos, talvez nada, talvez ar, poeira”. E são esses momentos, imperceptíveis talvez, que a autora registra no Gravando. Será que teremos mais uma produção da cineasta/poeta? Esperamos que sim. Aguardemos a próxima sessão.