4 de junho de 2014

Ursinho Azul-Claro

 

Haviam passado já por duas placas que informavam estarem próximos da Paraíba. No banco traseiro, acomodado em sua cadeirinha, o pequeno Jhonatan apertava entre os braços um macio ursinho de cor azul-claro, que ganhara de seu pai na noite anterior àquela viagem. Foi na curva depois da ladeira que, entre olhares nervosos, avistaram uma blitz que fazia a fiscalização num trecho da BR-116. O ar ficou mais sério dentro do veículo e a velocidade foi reduzida. Com sorte não iriam ser parados – nem incomodados.

- Fique quietinho, bebê. Não aperte tanto assim o ursinho-azul, ele pode ficar com dorzinha na barriga – disse o pai do pequeno, com meio sorriso amarelado, regulando o cinto de segurança e organizando no bolso da camisa o documento.

O pequenino continuou a afagar o ursinho, apertando a barriguinha, a mãozinha e o narizinho peludo do brinquedo novo. Foi dado sinal para que o carro parasse. Novamente uma troca de olhares nervosos e a voz do passageiro carona dizendo: “calma, meu bem, vai dar tudo certo”.

- O documento do veículo, por favor – falou um abutre, a percorrer o interior do veículo com os olhos maliciosos, em busca de um defeito, do dinheiro do almoço ao meio-dia que se aproximava.

- Pois não, tá na mão, senhor – as mãos um tanto trêmulas.

Mal se interessou pelos dados do documento, que parecia estar em dias, conferiu se não havia algum animal empapelado entre os documentos, quase sempre havia - um singelo agrado dos que devem algo. Nada encontrando, perguntou quem era a criança linda que estava no banco traseiro. Fez-se um nó na garganta do motorista.

- Nosso filho, e está tão cansadinho, coitado. Vem se admirando de tudo que vê desde que saímos de Fortaleza – estava já impaciente, queria sair dali.

- Filho de quem, rapaz? Como é isso? – espantou-se.

- Sim, nosso. Algum problema? – o fingimento de chateação.

Houve certo desconcerto por parte do abutre de farda preta, que logo entregou a carteira do motorista, deu duas leves batidinhas na lataria superior do carro, como sinal de liberação, e saiu com um sorriso amarelado no rosto, balançando a cabeça num gesto de negação. Puderam respirar mais frouxamente. A viagem continuou.

- Eles se cagam de medo de processo, sabia? É só fazer um ar mais sério que logo eles tentam se livrar da situação. Idiotas! – de mãos dadas, entre gargalhadas.

- Ah, mas vai dizer que não estava nervoso!?

- Sim, lógico, claro que estava. – virando-se para o pequenino, que já queria pegar no sono – Agora dá o ursinho azul, neném. Dá pro tio, dá!

O neném foi despertando enquanto tentavam puxar o ursinho que estava entre seus braços, fez uma carinha de enjoado, quis abrir o berreiro no choro.

- É melhor deixar com ele mesmo, meu bem. Deixe com ele. Vai que aparece outra barreira dessas pra embaçar, ninguém sabe, né!? – outro conselho do carona.

- Tá, tá. Acha melhor pegarmos o atalho ai da frente?

- Pode ser. É até bom mesmo para sairmos da estrada – havia profecia naquelas palavras.

Foi depois da ladeira segunda, que era tortuosa e mal sinalizada, que um vento soprou forte: não se sabe como aquele pneu se retorceu, a velocidade não permitiu que parasse levemente o carro, que capotou na ribanceira da estrada, e rodou e rodou e rodou. Em um trecho deserto, ninguém notou a ausência de um veículo no caminho. O pequenino nem bem entendeu o que aconteceu - tamanha rapidez do acontecido. Apenas queria livrar-se daquelas correias que o mantinham preso à cadeirinha. Já quase conseguindo sair do veículo, assustou-se com o sangue que escorria da testa do motorista, que se encontrava desacordado, preso às ferragens. A fumaça que se fazia ao redor do carro capotado tornava o ar quase impossível de ser respirado.

O neném correu dali levando apenas seu ursinho azul-claro, com os olhinhos irritados e lacrimejados, confuso com toda aquela barulheira. Avistou uma árvore de galhos secos e retorcidos, mas que oferecia um pouco de sombra, e resolveu aninhar-se.

- Logo vai vir gente pra pegar a gente, ursinho. – disse, segurando o ursinho, entre soluços.

Cansado, deitou-se num cantinho do tronco. Olhava tristemente para o ursinho, que parecia agora ter o olhos murchos e desconcertados, e disse:

- Tô com tanta fome, ursinho. Também tá? – não houve resposta.

O neném então cutucou a barriguinha do ursinho para saber se estava vazia como a sua. Com as pontas dos dedos, sentiu como que uns carocinhos na barriga macia do urso:

- O que tem aqui dentro, ursinho? Tem comidinha, tem?

Começou então a cutucar e a despir a barriguinha do ursinho, até que encontrou umas pedrinhas redondinhas e brancas lá dentro.

- Você comeu e não me deu, ursinho? Estou triste com você! – fez carinha de aborrecido. – Posso comer essas daqui que tirei da tua barriguinha? Posso sim, né!? – e sorriu pueril e inocentemente.

Dizem que o neném, de tão gulosinho, comeu todas as pedrinhas brancas do ursinho, e em pouco tempo colocou a mãozinha na barriga gritando “ai, meu deusinho, me ajude!”, e dormiram para sempre: ele e o bondoso ursinho azul-claro.