O encontro
Tomou um café preto, de coador, com pouco açúcar e relembrou sua decisão: seria feliz. Como um mantra, repetia essa frase todas as manhãs na banqueta da padaria, enquanto tomava seu café com um pão na chapa. Repetia a frase em cada pedaço do dia, para ter certeza que cumpriria a promessa que fizera a si próprio: seria feliz.
Do casamento, morno e monótono de muitos anos abortado há pouco tempo, restaram os filhos e uma amizade até quase saudável com a ex-mulher. Mais leve, sem o peso de uma vida que não lhe cabia mais, tornara-se um pai mais verdadeiro e companheiro dos filhos adolescentes.
A casa era nova, o emprego também. Abandonara velhos vícios, adquirira novos e mais saudáveis. Livrara-se da cara limpa e passou a cultivar um cavanhaque que lhe agradava o olhar. Era isso, tinha gosto em olhar para si mesmo.
Já passara da fase das baladas e dos delírios retomados logo após a separação. Aquele dia seria diferente. Um divisor de água, se as palavras de seu pai coubessem naquele momento. Um encontro depois de meses de solidão voluntária. O primeiro encontro da sua vida nova.
Conheceram-se na academia. Um grande passo para um sedentário convicto, a atividade física passou a ser um momento de novos conhecimentos. Trocaram olhares, telefone, conversaram. Caminharam no calçadão. Pegaram um cinema. Tinham tanto em comum. Tanta coisa que até assustava. O convite foi feito para um jantar. Aprendera algumas receitinhas charmosas para impressionar. Era a hora de colocar em prática tudo o que guardara em si por anos.
O anjo bom dos separados atuou naquele dia, quando conseguiu uma faxineira para dar uma ordem no pequeno apartamento. Agora sim estava com ares de casa. Cheiro bom de limpeza, roupas passadas e guardadas, louça lavada. Chegou mais cedo do trabalho, ingredientes comprados pra um risoto especial. Tudo seria especial.
Cozinhou com rigor científico e leveza de alma. Preparou a mesa, simples, mas honesta. Tomou um banho, aparou o cavanhaque. Penteou-se observando os cabelos que começavam a grisalhar. A distância da felicidade é grande. Trocou de camisa várias vezes, até achar a que se encaixava no seu desejo. Olhou-se já pronto e gostou do que viu. A campainha tocou antes da espera.
– Atrasei?
– Nada. Chegou na hora.
– Trouxe um vinho. Achei que você gostaria mais do tinto seco.
– É o meu preferido. – disse pegando a garrafa entendida a ele, enrolada em um papel pardo e fino – Entra, eu estou terminando de ajeitar o jantar.
O vinho combinava perfeitamente com o prato escolhido. Estava tudo indo tão bem a ponto de dar medo.
– Se quiser, pode colocar uma música.
Logo alguns acordes encheram a casa.
– Não sei se você gosta. É um grupo novo, alternativo que conheci outro dia. Eles tocam uma nova versão pros clássicos. Eu adorei.
Músicas antigas, novas leituras. Que outro som caberia melhor? Abriu o vinho e serviu. A conversa começou tímida, mas logo pareciam que se conheciam há anos. Serviu o jantar, que foi elogiado com entusiasmo. Um pouco mais de vinho e mais conversa no sofá.
– Que bom que você gostou do jantar. Sou iniciante na cozinha.
– Nem pareceu. Estava maravilhoso.
Olharam-se.
– Tudo está maravilhoso.
As palavras certas foram ditas. Sabia que a hora estava chegando e sentia seu coração bater como o de um menino.
– Foi muito bom conhecer você. Muito bom mesmo, eu nem sei como falar...
– Não fala...
Aproximaram-se. Próximos demais a ponto de sentir o calor e a boca do moço encostarem na sua. Uniram-se. Um beijo, um abraço, um laço. Tinha certeza: seria feliz.
por Claudia Marczak