10 de abril de 2014

2 poemas de Felipe Garcia

O Plano

Tirei
o chip
da TIM
do cel.
e (acorda, Felipe!)
acessei a internet
com 300 mg de limite.
Passei noites acordado vendo cair e subir o sinal sem saber
se iria acessar com sucesso.
Tenho de escrever um longo ensaio
dentro de um dia
se não o processo
para cancelar
minha bolsa
será encaminhado
ao mecenas
lá do sudeste
acabando
com
meus planos
para o céu
para Moni/livros/cachorros quentes/batatinhas/
e, catastroficamente,
à beira do Ragnarok
encarar
a poesia.

“Você já disse isso mil vezes” –
vou escrever o trabalho vou escrever o trabalho
amanhã amanhã amanhã...
E passam-se as horas de volúpia
de antes de sentir o amargor
de ter fracassado
adia, adia, adia
mas no fim conseguirei
fazer o que
me fez
ser o mais recluso dos répteis
na hora do frio noturno
quando a costela
curvada
cobre a tez
e nem sequer se pode atingir
a posição adequada para fotos
no instante da tragédia efêmera
do fogo
sobre a
flor de lótus.

Penso muitas vezes
quando viajo
para as páginas da Bíblia
que serei maior
do que sou
e, mais do que isso,
como é mágico
ficar durante meses
com medo de ir para o inferno
rodeado de fenômenos
paranormais
e gritos de aleluia
até imaginar andar com cristo!
Na vias...
Mas não posso dizer se realmente existo
quando mudo
e, mudo,
mudo

recolho as palavras
e, fatalmente,
rogo em silêncio
pelo verbo
que será a porta
de onde
sairei
e tu me habitarás.

O que engulho?

Bate uma hora forte no rosto
noiva em fuga
zíper frouxo
a hora do desespero
antecede a
da ruga
e a queda de cabelos
é só um sinal
de que a cabeça não é mais
a mesma, como a dos belos
gregos – de onde sur-
gira Atena. A Argentina
contra o Brasil:
sem grama/sem bola/sem craque/sem sina.
O tempo atesta
maior do que o crânio.

A plenos pulmões
verso a verso
não li
porque a tradução só traz
a garganta e a traqueia
e eu, freático,
meneei
o pináculo
como um patife
no catre
e a cabeça a rolar no esquife...

Profundo do mar
me nado/minado/
explodi.

O Quarto está Congelado: Plath me Visita com Ariel

Tí-
bio/vol-
tei
a ser
criança
estupidamente.
O meu coração
foi perfurado nessa hora
porque era de leite.
Noites Brancas – que me vi
precipitado de cristais/e estranha nevasca
entupiu as passagens
para os cômodos
da casa

Stasis in darkness.

Ou-
vi trotes
de anjos
no es-
paço
como casca
e meu coração
acelerou agoniado.
Do leite que escorria no chão surgia
patas de cavalo, ou pernas de mulher
saíam, era uma asa
ou uma fada/olhos de cavalo
o assobio/um lobo
úmido, escorrendo
lactose na pele
vias, dorso,
perfumes/
luz, cumes
esforço
para
criar

era ela – no auge, a mulher perfeita

a visão
me congelou a alma
quebrando estalactites de gelo

so-
bre
a

car-
ne
do
me-
u
cor-
po.

Plath
senta a meu lado e re-
cita
poemas para
mim
feridas/de casa
escorregões na vida
risos/apertados-a-cara-rosada.
E antes que ela ligue o gás
peço-lhe
continue
a me costurar nos poemas

há cicatriz nos lábios e estigmas nas paredes

ho-
ras de
des-
espero
se-
gundos
de angústia

para tirar
de mim
a gota única
que se
esgota
no meu sangue
compondo
a distinta
túnica
que me
despe e ma-
ta
nu

cuspo ossos pedras cascos

para me fazer sumir
como
a poesia
no
poema
e me misturar
à luz
ser
o opaco
obstruir
o espaço
onde
vivi
e ver
surgir
no mais frio
dos dias
mais
frígidos
o calor
do teu bafo
que
estertora
ar-
ranques
estoura
sinos
desenterra/corpos
reanima
mortos – me entra
por fora
e
me
escreve:

a-
corda

a imagem

ela é
a porta

que abre

e a palavra
a besta
que
fecha.

Eras
para tu ires
assim
na boca
de
uma
for-
nalha
antes de se des-
pedir
do sono
para acordares
como todos nós
após
outro
dia
no paraíso?

Eras mais do que capaz para poemas.

Sabias
que
tu
quebraste
a película
de a-
crílico
dos meus lábios
fugiu/correu
e encheu
de beijo
o
cor-
po
que morre
todos os dias
à noite
antes
de se
desfazer
em diversas
po-
si-
ções.

Teu olho frio me arrancou a fome/e a perdi

não te esqueças
de mim
que o
teu
amor
não passe
como meu corpo
que
se foi
na escuridão
fraturado
em tantas
peças
nem
teu passo
me aperte
no chão
quando
eu
estiver gemendo
as dores
que pari
na
vida.

Não,
o destino
não serve
para nós/


só um abismo
que nos cerca
e abre uma fenda
entre
o
céu
e o
pensamento.

Acaricia
o ven-
to
descabele-se
noite
a dentro
e ouça o meu uivo
nos dias de
lua cheia/
que
eu sou
a saída
falsa
que procura
a
tua alma querida:
tambor
solto na
carroceira/a rolar
a inefável dor
de possuir
bra-
ços
frouxos
peito empolado
pernas
de pino
arreios
falsos/atrelados
ao cavalo que pousa na xícara
para saciar
a sua
rapidez

Ariel me olha/bafeja e beija os meus pés.

Nos
olhos
do cavalo
a despedida
sangrenta
do Nada
nos
olhos
de Plath a felicidade
intrusa/maçã verde
para
a vida
a-
massada.

Ela sorriu
a derreter
a fri-
aldade
da noite
com poemas
misturados
ao éter
e na mesma hora sumiu
com Ariel
pelas brechas do dia
dissipados.

Eu me desfaço
em poesia
todos
os dias
me deparo
com o outro
e
a só

pergunto:

a tua vida não é o maior
que isso?

Formei
a paralisia
no
espelho

e quem escreve
se é
homem
menino/fantasma
cavalo
ou braço

não sei
porque

se um dia
chover na
minha terra
digam que
já não preciso
mais dela

há um corpo lá fora esmagado/e uma criança que chora no quarto.

Felipe Garcia de Medeiros nasceu a 1989, em Imperatriz - MA. Praticamente nasce, pois desde cedo, passou a infância em Tocantins, conhecendo a sua beleza bucólica, as lendas, mitos, e o contraste incessante entre cidade e natureza. Vivida essa experiência, habita residência em Caicó, no Rio Grande do Norte. Desde de jovem, interessou-se por mitologia grega e, após cursar Letras em Natal, descobriu a Literatura. A poesia virou sua vida, sua paixão, seu corpo e seu habitar, pois, como dizia Drummond, esse poeta é “uma casa sem raiz” e, por isso mesmo, aquele que se insere na contemporaneidade contra a estagnação lírica de seu tempo. Em 2012, publica seu primeiro livro de poemas, Frio Forte. Com ele, dá início à sua produção poética desregrada, desterritorializada e rizomática. A editora Penalux publica, novamente, a primeira obra de F.G.M., Frio Forte, no ano de 2014. Felipe Garcia de Medeiros já preparou seu novo livro de poemas, Cápsula, que é a descontinuidade, um livro-poema, O Lobo Afrontado do autor, que será publicado pela editora Kazuá ainda este ano. Para mais informações, acessar o blog do poeta, que é: http://opoetafelipegarcia.blogspot.com.br/.