Por LiteraturaBr
31 de março de 2014
Sumi-ê, livro de estreia de Nydia Bonetti
O sumiê é uma técnica de pintura japonesa do sec. XIV. Essa técnica possui influência ideológica do budismo, em que a essência deve ser buscada através pelo interior do ser. Na introdução do livro de Nydia Bonetti, lemos:
No Sumi-ê, a expressão livre surge através da cor da tinta negra dos movimentos do pincel, sob a inspiração do momento e não admite retoques. Há sempre uma profunda ligação desta arte com a natureza.
A ligação poética do livro com os elementos da natureza, além de singela, é bastante presente. O traçado simples e rápido de Nydia Bonetti, em seu livro de estreia, faz jus ao título Sumi-ê, editado pela Editora Patuá (2013).
No livro, a transitoriedade da vida humana é constatada em vários poemas, em especial no poema abaixo, pois se nota que embora a vida seja curta, haverá sempre a persistência da contínua existência, como também de manter a esperança sempre:
tronco
retorcido em securas
restam
folhas miúdas
num cacho
único
flores rosas
pendem
e denunciam: - a vida
resiste
A poeta utiliza-se da natureza como metáfora em sua poética. Ela encadeia semelhanças de atos humanos com a natureza, percorrendo temas como a solidão, o envelhecimento, a compaixão e a esperança. Nydia extrai da contemplação da natureza os elementos temáticos de sua poética.
quero estar só – me deixem
como aquela temporã
no galho
mais alto
As imagens pinceladas por Nydia trazem reflexões, que lembram as pinturas sumiês. O título do livro foi bem escolhido, pois as temáticas dessa arte japonesa de pintura percorrem por toda a obra. Os poemas do livro não são longos, são suaves e breves. Mas a brevidade de seus poemas causa variados devaneios sobre o mundo que o cerca. Por isso a necessidade de seus poemas curtos dominarem a página em branco, daí a necessidade do silêncio e da contemplação para o aprofundamento da leitura. Os poemas não seguem pontuação e nem são nomeados. O ritmo da leitura quem o faz é o próprio leitor, que participa da obra ao dar-lhe ritmo poético. A atual poesia não deve seguir rigidamente os tratados poéticos para a versificação, o traçado do lápis de Nydia é o guia-motor da sequência versificada. O poema inicial nos dá a pista para entender mais um pouco o livro:
Onde a montanha encontra a água
Nasce a flor
A água, fonte da vida, é a fonte inspiradora da poeta. A flor, filha sensível da terra, nada mais é do que o poema em si. Trocando em miúdos: a vida é a inspiração para o poema. A essência da vida, ou a busca dessa essência é outro elemento importante para a construção poética de Nydia Bonetti. O cuidado ao trabalhar certos temas, como as reflexões sobre o tempo, são pertinentes em seus poemas. A autora faz essas reflexões com o mesmo cuidado e precisão de um pintor de telas:
Árvore velha – a tua solidão sem asas
Me comove
A mesma comoção com o passar do tempo ocorre no poema da página seguinte:
No velho troco
O que parece ser flor – é fungo triste
Lágrima antiga
O tempo não é apenas algo corrosivo, desgastante e destruidor. Ele é tematizado com elemento de aprendizado. É importante sempre voltarmos ao conceito da pintura sumiê, pois essa arte japonesa é ponto crucial para entender a obra. Nessa arte japonesa, a concisão, o simbólico e a expressão do instante, são fundamentais, como também em vários poemas do livro de Nydia, em especial os poemas apresentados acima que tematizam a efeito do tempo. O poema abaixo transcrito é outro exemplo de um recorte simbólico e conciso:
o vento
so
pra da minha mão
a folha de papel
o vento
só
veio me dizer
que ninguém está
só
Costumo dizer que os bons poetas são aqueles que conseguem construir perfeitas imagens na mente do leitor. Até porque as imagens descritas em poemas são essenciais para traduzir o indizível. E são essas construções imagéticas que Nydia “desenha” em seu livro, que transborda o Sumi-ê com belas pinturas poéticas. A escrita é simples, porém a simplicidade das imagens e das palavras colocam os poemas em uma elevação universal. A poeta nos lembra através de seus recortes poéticos, que poesia se faz com elementos simples e palpáveis. O palpável é descrito nas flores, nos galhos das árvores, nos pássaros e nos jardins. Este livro foi escrito por uma alma sensível e deve ser lido com esse mesmo olhar e perspectiva. O livro Sumi-ê é ainda mais, um convite para que se contemple a vida com outros olhos, com o olhar simples e singelo que ela nos exige:
A calma do lago, a calma da flor na brisa
A calma de olhar a vida
Sem pressa