11 de março de 2014

manuel, o menino que queria ser santo

Eu não sabia muito sobre o primeiro livro de Valter Hugo Mãe, nada mais do que o nome que trazia na capa – “Nosso reino”. Não imaginava que manuel fosse amigo de um menino que queria ser santo, que desejava ser santo e que entendia que o homem mais triste do mundo estava sempre a espreitar as pessoas que tinham em si um ponto vermelho no cu.

Tendo lido já três livros de Valter Hugo Mãe, sabia que não haveria decepção, pois sua escrita, em meu ponto de vista, já tomou níveis que poucos escritores conseguem. Li-o desesperadamente como se a vida de manuel ou de carlos ou do senhor hegarty ou de benjamin, o menino que queria ser santo sem saber como o ser, dependessem de mim.

 

 

Algumas partes me impressionaram mais do que outras, como a consciência que o menino tinha em saber que as pessoas deveriam se amar e que não era necessário ir até a igreja para que pudessem ser salvas sem ter que se suicidar, como ele o tentara, como a louca do vilarejo já o tinha feito.

 

manuel e eu, caminho acima até casa, fomos sorrir estupefactos e a minha teoria era clara, devemos ser bons, manuel, teremos um amor infinito por todas as pessoas, e as pessoas saberão o que é um amor infinito e tombarão de paixão umas pelas outras até salvarem as suas almas

 

Entendia ele que de nada adianta andar com as boas pessoas, com os puros, uma vez que são os necessitados de espírito que dependem do auxílio dos santos, ou dos meninos benjamins que, aos seis anos, já não entendem e entendem o que fazem e o que não fazem, como os ovos das galinhas que não paravam de serem postos pelas mesmas.

 

mas que para se ser santo havia de se estar com os pecadores, que os puros não precisavam de mais nada.

 

Benjamin e Manuel mesmo tentando ser santos, aquele conseguindo mais do que esse, assim era o que parecia, foram sofrendo na alma o quão difícil era ser bom, o quão difícil era viver entre os cristãos e os não cristãos, pois em algum momento todos acreditavam em alguma coisa. Como Carlos que falando palavras que machucavam Benjamin sentiu nas próprias partes, superiores e inferiores, o preço que os pecadores muitas vezes têm de sentir para poder ascender aos céus.

 

A santidade era uma coisa para todos os dias, mas era difícil. Porque a vontade de me manter santo não me assistia perante todos da mesma forma, alguns conseguiam destruí-me por dentro a esperança de os salvar. Já o padre exigira o meu infinito perdão naquele domingo, depois, com a chegada do carlos tudo se complicava

 

Foi mais ou menos assim que compilei “Nosso reino”, romance de estreia de Valter Hugo Mãe, escritor português, que no meu parco entendimento, é um dos melhores escritores dos últimos dez anos, diga-se assim. Não porque conseguiu atingir a uma enorme parcela dos leitores brasileiros com seu carisma, mas porque sua escrita é muito mais do que, como disse recentemente em entrevista a um programa de tevê, ser considerado apenas o escritor das letrinhas minúsculas.

É fato que Valter busca atingir o homem, não com toda a força arrebatadora que nós mesmos criamos contra nós, mas para que possamos ter o mínimo de consciência sobre nós. Afirmo isso sempre que falo nele, pois é isso que sinto com maior força, mais do que vários outros autores desta geração que tentam construir isso com a escrita. E temos que estar sempre a nos perguntar se nos conhecemos, se somos o que achamos em em nosso âmago, em nosso íntimo, para que quando morrermos não fiquemos sós, não importa se cremos ou não no depois, o que importa é não nos sentirmos sós por muito tempo, assim como os irmãos mais novos do menino que queria ser santo começavam a se sentir:

 

Benjamin, que acontece se morrermos e não houver ninguém no céu que nos conheça.