4 de março de 2014

Irenita

imagem de Nestor Jr.
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Novamente o principedasmarés adentrou o materialbrutudoincosciente da fonte ressequida de Irene, logo de Irene... Ainda ontem esteve ele perambulando o engodo do infernointerno da menina que um dia cantou como se chamasse o vento, e esse vinha, vinha como Héracles decidido a perfurar Dejanira mais uma vez. E Irene, escondia-se?

Ele voltou; impecavelmente, surgiu como se de repente tivesse decidido Godot a não deixar mais ninguém a esperar; impávido, leve e tranquilo retornou: – Quem voltou? Godot? – não, quem voltou foi ele, o príncipe bronzeado que era como aquela luz que antecede o crepúsculo e o seu brilho faz o bronze beirar o dourado, trazendo consigo a beleza da gozada que geralmente vem numa velocidade arrebatadora e estonteante, como uma voçoroca que rasga o solo mais rude. Belo, fatigado e cínico. Chegou ele com sua cara de pescador urbano, tirando do saco, que estava próximo a um saco outro, calmantes ervas que embriagavam Constanza, Constanza não, esta viveu bem depois da belle époque. O que sei, foi que depois de tirar ou retirar o saco que perto de outro saco estava, amassou seu conteúdo bem amassadinho até fazer aparecer o sumo existente naquelas plantinhas apaziguantes. Com a delicadeza dos galantes descarados, socou-as num cachimbo sublime e ofereceu a jovem que o olhava nervosa. Ela foi jovem sim...

Num domingo de agosto em que os ventos costumam arrastar muito, arrasar muito e isso inclui pensamentos sombrios, por isso estava lá e só, exposta ao vento que soprava como um ancião quando tenta apagar a vela de suas muitas primas-veras, e esse é um momento em que o sopro evidencia uma afirmação da juventude escondida, já até esquecida. E foi nesse dia, nesse lugar que a sós se encontrava e reviveu em sonhos acordados aquele estado de graça, depois de ter largado os seus naquele almoço já mais palatável que os quitutes que aprendera a fazer na aquisição dos dotes de mulher adestrada para casar, servir e por fim. Naquele domingo esvoaçante resolvera botar seu vestido carmim a muito guardado, mas que sempre cheirou a novo. Tirou do seu armário como quem tira da mente um passado encoberto pela mesmice, fuligem, impregnada pelo tempo. Seguiu apenas sua sensibilidade de fêmea acalantada que despertara para um novoagora, inusitado como aquele domingo de abril em que... Encoberta por muitos panos e dourados falsos, esperava o prometido naquela praça que ostentava um pau, uma árvore com um tronco enorme e largo como se fosse um dos falos do divino, materializados em uma planta de espécie longínqua, diziam que esta foi trazida ainda infante, por negros que um dia circuncidados foram e num aldeamento que se assemelhava aos dos jesuítas na época do adestramento de um dos nossos ancestrais, porém aqueles, os negros como dizia minha avó, retintos, foram mantidos nesse aldeamento lá pras bandas da África, mas lá aprenderam a lutar, a roubar, a enganar. Por isso Irene hoje, ontem irenita, pensava nessa estória e sentia comichões, beliscões quentes nas coxas cobertas por sedas muitas. E esperando o prometido, o escolhido não por ela, mas pelo seu pai, devaneava e tampouco ficou aflita com essa espera. Num repente, num átimo de segundos, mas precisamente no intervalo de luz de um vagalume, apareceu um cavaleiro, meio maltrapilho, mas que cheirava a mar, a amar, mostrou-lhe um cachimbo e ela, a ainda Irenita, educada, treinada para só dizer sim, aceitou a gentileza e meio vermelha de vergonha aceitou, puxou e se engasgou. No primeiro puxo viu o mar reluzir, no segundo, viu o leão dourado de juba penteada, no terceiro melou-se de um líquido nunca visto, no terceiro, quarto, quinto sumiu pelas ruas que terminavam defronte à praça, ao passeio público de todos os domingos, foi-se como uma foice ao lado do lourobronzeadotaradoelindo que farfalhou aquelas sedas como quem dês-co-bre o doce, o cheiro a dor o prazer e ela, ai ela, completamente entregue, possuída, conduzida pelas éguas de Parmênides rumo a uma verdade, para ser exato a sua verdade. Por entre ruas escusas e tristes os tecidos que a envolviam foram sendo retirados um a um como os presentes destinados ao vaso de Pandora até aquela carne meio branca e rija se manifestar. Irenita só sentia, como se nunca houvera sido. Ele, o macho, o leão louro e sutil apropriou-se daquele terreno como se ali há muito já tivesse arado, escavacado e fincado suas enxadas, varas e outros instrumentos de lavrador, que só aqueles que detêm a destreza dos negros circuncidados tiveram. Depois do gozo, do estouro de sensações desconhecidas, a menina esbaforida inconscientemente pensou que o vento que tanto chamara com suas cantigas de amigo, veio materializado naquele pescador urbano, leão louro penteado e a mostrou plêiades e delícias novas. Irene lentamente aconchegou-se num manto, num canto, eram os cânticos e pouco a pouco, como quem se despede de uma noite de orgia, ela Irene, voltou ao si de quem ela não gostava muito, aguentava, voltou, ele o cigano, foi-se, ela, Hera, arrasada por voçorocas. Casou na semana seguinte na igreja dos maios.

“Ela desatinou viu", morrer alegrias, rasgar fantasias e dias e como se aquela que Irenita fora dela se apossasse e em pequeninas explosões reviveu o abril de ouro de sua vida, encostou-se, aconchegou-se no banco como um feto, um feto velho, uma quase castanha velha dormitou, sonhou e o cara acordou-a e tocava “Ela desatinou viu...’’ do Chico no som do radinho a pilha do cara que viu aquela em convulsões se enroscava no banco da praça do passeio público... E como se o nada esperasse do nada que comumente se esperará dos próximos agoras.

por Edilson Pereira