11 de fevereiro de 2014

Cano

Ilustração: Felipe Campos

 

Dia chuvoso. A meninada toda já se encontrava na rua, aos pulos, correndo debaixo das biqueiras que despejavam fortes rajadas d’água no casco da cabeça dos infelizes. “Sai dessa biqueira... que essa água só tem merda de gato, praga ruim!” – gritava a mãe de um deles. Reuniram-se em onze para fazer uma brincadeira: esconde-esconde (na chuva).  A rua era maltratada e cheia de buracos. Bem no meio, onde os carros passavam com todo cuidado, havia um grande buraco, cheio de madeiras ao redor, que era pra ninguém cair dentro da cratera que, na verdade, era por onde a água entrava, e era conduzida por um grosso cano até o canal; era o buraco do Tadeu, e Tadeu era um velho bêbado, conhecido de todos, que os meninos gostavam de implicar.  Escolheram então quem seria aquele que iria contar: Julinho foi o escolhido. Correram todos. A chuva cada vez mais forte, a rua completamente alagada e de água até o joelho, e nem mesmo o buraco do Tadeu estava dando de conta em escorrer aquele aguaceiro todo. Saiu Julinho então com a mão a fazer aba-de-boné sobre os olhos, forçando a vista para ver se avistava algum vulto por detrás de um poste, de algum muro. Ouviu quando três bateram na mancha, que já havia ficado um pouco atrás. Trincou os dentes, sussurrou um “puta que pariu”, continuou. Do seu lado saíram mais quatro sem que ao menos ele visse seus reflexos, bateram também. Restavam alguns. Foi aproximando-se do final da rua, quando jurou ter visto um vulto correndo para se esconder atrás do carro vermelho, parado na esquina. Era Jadin, tinha certeza que era o safado! Quis voltar e bater o amigo, mas preferiu ir mais perto para conferir. Foi andando devagarinho. Lá atrás bateram mais dois, mas Julinho queria mesmo era Jadin. O vulto se mexeu, e pelo cabelo carapinho teve certeza, era o tal Jadin. Correu desembestado para não ter o trabalho de ser o jogo novamente. Viu a rua sumir de repente na sua frente, com a água a lhe tomar o mundo, misturada a lixo, animais mortos e pedaços de pau. A vista foi ficando escura e ao longe pôde ouvir alguém dizer: “trinta e um – salve todos”. Era Jadin. E o resto do dia a brincadeira foi de caça ao fujão: cadê Julinho que não quer contar outra vez?