23 de janeiro de 2014

Tutaméia: a despedida de João Guimarães Rosa


O livro Tutaméia - Terceiras estórias foi publicado originalmente em 1967, poucos meses antes do escritor mineiro falecer. O livro foi esboçado sumariamente para conter contos curtos e que fossem acessíveis à publicação em revistas. É o livro que formula os contos mais curtos da obra de Guimarães Rosa. O título Tutaméia, segundo Paulo Rónai (prefaciador da edição em estudo) “no Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa encontramos tuta-e-meia definida por mestre Aurélio como ninhada, quase nada, preço vil, pouco dinheiro.” Estaria Guimarães dando pouca importância ao livro? Depois de ler o livro inúmeras vezes, acredito que esse significado é válido porque a obra só terá o seu valor para os que compreendem e tem paciência para enfrentar, isso mesmo, enfrentar os contos. Digo isso porque é necessário mais de uma leitura para apreensão dos contos, a linguagem como já se espera de uma obra Roseana é resultado da mesclagem da fala erudita com a popular, é dessa mesclagem muitas vezes a dificuldade de muitos leitores iniciantes em Guimarães Rosa.

Os temas que Guimarães utiliza em seus livros: o sertão, o místico, o folclórico, o experimentalismo linguístico e o regionalismo social, consolidam-se nessa obra. E se não houvessem esses temas citadas, dificilmente associaríamos o livro ao seu autor João Guimarães Rosa. Esses temas fazem do autor, um nome singular na nossa literatura brasileira. O autor mineiro sem dúvidas é um dos mais criativos e vanguardistas de nossa era. Mas voltemos ao livro em questão.

Tutaméia recebe o subtítulo Terceiras estórias, porém até o momento o autor só havia publicado a coletânea Primeiras Estórias, há um salto então. E as Segundas Estórias? Talvez se questione o leitor. O tempo não foi favorável para Guimarães. Fica então um eterno ponto de interrogação do que poderia ser as Segundas Estórias. Tutaméia possui uma característica interessante, o livro possui dois sumários, sendo no primeiro apresentando Tutaméia (terceiras estórias), no final do livro o título do sumário é posto em revés: Terceiras Estórias (tutaméia).O autor e suas brincadeiras, um leitor desatento não perceberia isso. Outro ponto curioso dos sumários é a ordem dos contos, eles são apresentados em ordem alfabética, porém há uma interrupção alfabética na letra J, o conto “João Porém, o criador de perus”, colocando-se em seguida a letra G: “Grande Gedeão” e a letra R: “Reminisção”, de maneira a inserir na seqüência alfabética “JGR”, iniciais de João Guimarães Rosa! O livro é composto por quatro prefácios. Sendo que cada prefácio são postos no bojo do livro, intercalando leitura e reflexão. Nesses prefácios, Guimarães dialoga com o leitor sob a voz de um pseudo-autor. 

Paulo Rónai afirma que os contos do livro são “romances em potencial comprimidos ao máximo”. Os contos deste livro são de uma beleza descritiva-imaginativa. A leitura dessas Terceiras Estórias requer uma atenção redobrada por parte do leitor, é necessário releituras e mais releituras, é um livro enigma escrito para quem gosta de leituras humorísticas e que produzam pontos de interrogação. Alias o humor de Guimarães é bastante presente nesse livro, não que nos outros ele não se faça presente é que neste último a estilística do autor apresentam-se de maneira mais madura. Grande Sertão: Veredas é apontado como uma grande obra, disso não discordo, mas Tutaméia também merece esse título, pois nele o autor demonstra a grande arte do conto de maneira magistral, é um livro que requer uma dupla atenção.

Como não poderia deixar de faltar, o autor intercala em seu discurso a filosofia e aventura da vida. O reaproveitamento de provérbios populares também somam a escrita do livro. Eis alguns trechos interessantes:

“... tudo, para mim, é viagem de volta...”
“... a vida não fica quieta...”
“... o pior cego é o que quer ver...”
“... amava-a com toda a fraqueza de seu coração...”
“... Deus é curvo e lento...”
“... felicidade se acha é só em horinhas de descuido...”
“... porque amar não é verbo; é luz lembrada...”
“... todo fim é exato...”


Concluo afirmando que o livro é viciante, embora seja considerado por muitos como o mais complicado da obra Roseana. Os temas desenvolvidos ao longo dos quarenta contos de Tutaméia nos apresentam um sertão místico, um sertão-universo, um sertão que não cabe em linhas, que não é captado facilmente em páginas, um sertão que só Guimarães Rosa consegue descrever. Infelizmente, como eu havia dito no inicio, o tempo não permitiu que João Guimarães Rosa continuasse o seu projeto ousado de reinvenção e desconstrução literária. A leitura de Tutaméianunca termina no ponto final.