14 de janeiro de 2014

Doce Amianto

Amianto é uma esfinge. “Decifra-me ou me devora”, me disse Amianto. Não sei se fui capaz de um ou de outro.
Doce Amianto é uma esfinge. “Decifra-me ou me devora”, me disse Amianto. Não sei se fui capaz de um ou de outro. Amianto é indecifrável. Seus olhos de sofrimento eterno e sua tentativa incansável de se manter erguida não passaram despercebidos. Sua trajetória circular e suas doze mil quedas no caminho não passaram despercebidas. Amianto é doce. Sempre doce. Muito doce.Poder-se-ia confundir a história de Amianto com uma história de amor. Para mim, certamente, trata-se da história da busca do amor, das tangentes do amor, da periferia do amor. O amor aparece aqui, logo ali o amor é a lama. O amor aparece aqui, logo ali o amor é o beijo em outra, tão outra que poderia ser a própria Amianto. Ou é Amianto que é tão outra que poderia ser a que está ali agora? Amianto é a procura do amor.

Blanche-e-Amianto
Destrutivo caminho de pedras.
mianto conta a história de alguém em busca, em busca de tudo. Não consegui me iludir pelos trejeitos adocicados e exagerados de Amianto, ali está alguém que vive no mundo da extrema solidão. É um filme de extrema solidão. Doce Amianto Solitária. A busca pela completude, talvez seja o que a mova. Talvez seu sentimento de dever amar e ser amada seja o que a mova. Talvez sua desesperadora solidão a leve a qualquer lugar em que ela saiba certamente onde e por quê. “Decifra-me”, diz a Esfinge Amianto. “Devora-me”, diz a Esfinge Amianto. Sempre com o mesmo tom. Sempre sozinha. Nunca decifrada. Nunca totalmente devorada.

Talvez o grande peso esteja nos gestos às vezes artificiais de Amianto. Em sua natural canastrice, em seu comportamento espalhafatoso de diva. Seus gestos em tentativa de descontração. Seus gestos em tentativa de conforto. Seus gestos-tentativa, nunca acertando alvos, errando-os em errante trajetória. Sua amiga morta e única companheira. Única a saber de Amianto quem é. A única a oferecer companhia. A única a estar lá, Blanche, querida…

Doce AmiantoMas não consigo pensar Blanche como um delírio. Semi-delírio, talvez. Blanche acontece com potente imagem poética. Blanche é real em Amianto. Blanche segue sua própria trajetória, se configura como outra, a única a quem Amianto poderia se apegar. Blanche está morta. Talvez em sua morte mais presente do que antes. Sempre ali, a fada madrinha, a dizer o que se quer ouvir. Blanche, dançarina ao sol. Presente. Mas todos os espíritos seguem seu caminho e até mesmo Blanche deve ir. Agora Blanche é vento e estará em toda parte. Amianto está mais só do que nunca, mas eternamente acompanhada. Aquilo que se ganha jamais poderá ser perdido. Mas não há otimismo.
Não há otimismo algum, ali. O fim, o encontro, o reencontro… Sabemos não poder confiar. A história não termina ali, não termina nunca. Estará Amianto em seu caminho, com seus fantasmas, com sua solidão e os cães da rua passando em frente à sua porta, eventualmente entrando, sempre saindo, em círculos, à esquerda, à esquerda, à esquerda, à esquerda. Mas estamos sabidos. Ora o amor: ora a lama. “Decifra-me… Devora-me…”. Oh…

O texto foi publicado anteriormente no site SuburbanaCo.

por Tito de Andréa*
*Tito de Andréa é escritor e performer, em 2013 publicou o livro O ano da serpente, pela editora Penalux. Nasceu em 1989, em Salvador, na Bahia. Mudou-se em 2000 para Fortaleza onde mora até hoje. Nasceu de dez meses e lutou até o fim.