A culpa é de Dostoiévski
Eu não sabia de nada. Pensava que os números é que moviam os mundos e que tudo podia ser explicado através de fórmulas, através de equações. Enganei-me. Havia um Estudo em vermelho no meio do caminho. E esse caminho, maltrapilho, mal traçado foi se modificando, transformando-se em ouro, como aquele caminho de tijolos amarelos, totalmente preenchido e que nos leva a algum lugar ou lugar nenhum. Afundei-me.
Foi na leitura, tardia, se é que existe momento para se iniciar a ler, do livro de Conan Doyle, que me vi, pela primeira vez, como homem. O ressoar das letras, que até então eram esquecidas, passou a ter vez em meus dias. Fui, aos poucos, deixando de lado os livros programáticos que nos permitem deixar de viver e entrando na imaginação infinita que conquistamos ao ler.
De repente, eu estava preso no porão do Manaus junto a Graciliano Ramos, sentido quase na pele o que se sofria no cárcere, tomado pelo tempo da leitura sofria com náuseas sobre o sofá. Reclamei? Nunca! O tempo da leitura nunca foi perdido, ainda mais por ter lido Carpeaux, em algum texto perdido dentre os que li na época, que dizia que o escritor alagoano possuía, em sua escrita, traços dostoievskianos. Perguntei: Quem? Corri. E entre as prateleiras achei traduções feitas por tabela de Rachel de Queiroz que, mesmo mal falada hoje por críticos, me levou a outra dimensão de mim mesmo.
Foi lendo os textos do escritor russo que me pus a questionar, a perceber que a programação em que eu vivia poderia ser desautomatizada, eu sofria dos conhecimentos da informática, curso que abandonei depois de quase três anos antes de entrar para o curso de Letras. E assim o fiz. Desliguei o botão, eu mesmo. E só agora me dou conta do quanto devo a Dostoiévski e a Conan Doyle e a Graciliano Ramos e a muitos outros escritores que impuseram a mim o Mundo.
Toda uma dimensão de veredas me foi posta. O olhar que eu possuía tomou foco e pus a ver a seca-versão-direta-do-russo e os mares que existiam em mim. Daí em diante, os livros foram lidos com mais vontade do que comida. Enquanto a metade dos dias eram gastos em leituras, a outra metade aguardava ansiosamente para viver.
E, após ler algumas obras que marcaram esse momento da minha vida, iniciei o processo de manter as impressões comigo, logo me vi na necessidade de vertê-las para o papel. Não podia manter comigo os diálogos que imaginava com leitores imaginativos. Escrevi. Inventei de criar baús internéticos que pudessem guardar o que eu sentia. Me entreguei de corpo e alma, novamente, aos conhecimentos da informática, porém, dessa vez, para dar asas aos meus sonhos e imaginações. Ela agora servia a um bem maior: à leitura.
Hoje, o que escrevo, não na tentativa de ser crítico por profissão, pois o que mantenho comigo são impressões de minhas leituras, se deve a Dostoiévski. Sem ele, fundamentalmente, o mundo para mim não existiria, seria eu apenas um programa compilado pelo sistema e teria me perdido entre os que andam sobre a calçada em busca de cumprir horários, metas, não sonhos; e por isso achei um culpado pela minha desautomatização, um culpado pela minha respiração: a culpa é de Dostoiévski.