Vida sem graça já basta a da gente
A I FIB – Festival Internacional de Biografias – vem para marcar o calendário literário do país. Foi assim que definiu um dos curadores, Paulo Linhares, ao realizar a apresentação do Festival. Sendo o primeiro festival no país, talvez no mundo, que foca especificamente as biografias, a relevância da discussão não apenas sobre o gênero deve vir cada vez mais forte.
Mas, apesar da fraca divulgação, lá estavam os dois primeiros biógrafos de peso. Fernando Morais, autor de O mago, e Paulo César, autor de Roberto Carlos em detalhes, conversando sobre biografias, na primeira mesa do evento, que começou atrasada. Paulo César, mediando o debate com perguntas pontuais, fez Fernando Morais contar um pouco sobre o seu trajeto como biógrafo, como tudo teria começado e porque realizar biografias.
Apesar de uma família grande, Fernando teve acesso aos livros desde sua infância graças ao pai, que era um leitor contundente. Lembra-se do primeiro livrou que terminou, ainda quando criança: um texto que seria um “extrato” de Alexandre e outros heróis. A partir de então a leitura não saiu mais de sua vida.
Contou um pouco como foi escrever sobre Olga, que era, nos dizeres de Paulo César, uma página de rodapé, e o quanto isso foi valoroso para a militante. Também comentou como Chateaubriand fazia para conseguir várias obras de arte que hoje estão no MASP. Depois, interpelado pelo autor da biografia do “rei”, Morais respondeu afirmando que através da biografia é possível mostrar um Brasil que o povo não conhece, pois acredita que figuras públicas – como Chatô, Olga e Paulo Coelho – tem sempre algo a nos dizer sobre a história não apenas deles, mas do país. Disse também que prefere fazer biografias de pessoas vivas, pois acredita que o material que sem tem ao dispor é maior ainda para pesquisa.
E após alguns risos e histórias interessantes os dois biógrafos começaram a debater um pouco sobre as biografias e sua censura. Falaram um pouco sobre os trâmites judiciais, e acredito que foram claros em explicar que o que se intenta em fazer é realmente, como disse Fernando Morais, uma censura prévia.
Quando questionados pela plateia sobre a intimidade dessas figuras públicas, ambos disseram que não era por essa questão que os familiares ou os próprios biografados, em sua maioria, recorrem à justiça. Fernando deu o exemplo de Paulo Coelho, que mesmo sem o conhecer, e por ter recebido proposta da Editora Planeta, foi conversar com o escritor, que aceitou ser biografado. Porém, Fernando contou que Paulo Coelho teria aceitado ser biografado sem ler os originais, lendo o livro após ficar pronto. Morais contou que o escritor não gostou de algumas partes, mas em nenhum momento teria movido uma palha contra ele, apesar de ter dado entrevistas onde dizia que se incomodou com algumas passagens por terem lembrado a ele mesmo o que havia sido um dia.
Paulo César também deu o exemplo da ex-mulher de Caetano Veloso, Paula Lavigne, que teria dito que as biografias podem ser publicadas desde que sejam distribuídas na internet gratuitamente. Assim, pergunto-me se toda essa briga em torno das biografias não é apenas uma questão de dinheiro. Dinheiro esse que, de acordo com Djavan, faria escritores, como Paulo César e Fernando Morais, nadar em notas de cem.
O que percebi hoje, na fala dos dois biógrafos, é que pouco se entende, no Brasil, sobre o que é liberdade de expressão e o que é ser uma figura pública. Cada um, de acordo com os escritores, e que faz todo o sentido, tem o direito de dizer o que bem entender e de sofrer as consequências dos seus atos. Assim, ambos, e acredito que todos os outros participantes da FIB irão concordar, afirmam que a liberdade de expressão, explícita na Constituição de 88, deve ser cumprida e que se algo for dito de forma caluniosa ou pejorativa deve ser resolvida através da justiça.
Até porque, como bem explicou Fernando Morais, o que cada um de nós fazemos nos restaurantes, na calçada ou no trabalho diz respeito a qualquer um. Apenas o que fazemos entre quatro paredes é o que pode ser considerado intimidade. E o que é feito sob o sol ou lua deve, sempre que for interessante, ser contado, porque “vida sem graça já basta a da gente”.