O que é a literatura brasileira contemporânea?
Há algum tempo, um ótimo texto do Marcelo Coelho – que até a chegada do Michel Laub era o único colunista da Ilustrada que eu me animava a ler – sobre a Granta fez com que eu me interessasse muito sobre o que é produzido na literatura brasileira atualmente.
Não discutirei a coluna longamente aqui, mas no que tange aos textos literários presentes na antologia, a opinião do colunista é favorável àquilo que ele vê – e com o que eu concordo em partes – como uma forte mudança na temática literária dos jovens autores brasileiros:
“Saem de cena os motoqueiros atropelados, o pequeno traficante morto pela PM, o barraco, o boné e o “busão”. Também desaparecem as estratégias do choque, do surrealismo e do grotesco. Nada de anões búlgaros decapitados na fila do INSS, de contorcionistas lésbicas entaladas no vaso sanitário, de papagaios cocainômanos atuando em filmes pornô de baixo orçamento. (…) Quanto ao antigo padrão da prosa regionalista, seus coronéis e jerimuns, nem pensar –por mais que ainda pululem, nos concursos de contos, as imitações de Guimarães Rosa.”
Concordo com a ideia geral do texto: é realmente bom ver os modismos literários, sejam eles a violência explícita, o sexo como único tema de um romance de 300 páginas, a visão extremamente estereotipada de um sujeito urbano sobre o campo etc. desaparecendo. Mas mesmo nessa afirmação dois pontos me parecem passíveis de discussão.
O primeiro ponto – que está intimamente ligado ao segundo – diz respeito ao tema dos textos presentes na antologia e mesmo nas obras anteriores desses escritores. A quantidade de textos em 1ª pessoa narrando fatos cotidianos de sujeitos da classe média urbana sugere um caráter fortemente autobiográfico dessa “nova literatura brasileira”. O biografismo, que pode ir de uma simples escolha narrativa à alienação do escritor perante o mundo e naquilo que costumo chamar (peço desculpas e sinta-se referenciado quem já utilizou o termo) de “conto-diário”, parece ser algo comum em muitos países hoje, especialmente no produtor da literatura muito lida – e traduzida – pelos autores presentes na antologia: a literatura norte-americana. Estaríamos, portanto, diante do abandono de modismos ou simplesmente da mudança destes?
O segundo ponto diz respeito ao próprio livro analisado. Os tais modismos começam a sumir da literatura brasileira ou simplesmente sumiram da coletânea? É possível dizer que a seleção de 20 autores por 7 jurados representa a literatura brasileira feita atualmente? Não imagino que Marcelo Coelho pense assim, mas é interessante perceber como essas coletâneas feitas a partir de concursos influenciam em muito a visão que se tem da literatura nacional feita hoje. Esquecendo rapidamente os escritores da Granta, fica a pergunta: quem são os jurados? Qual o critério de sua escolha?
Não abordo esse assunto para fazer a crítica já tão pisada – às vezes de maneira ótima, outras transbordando recalque – da escolha feita pelos jurados escolhidos pela Granta. Gosto de grande parte dos autores presentes e não acho – e não acharia sem provas – que a escolha se deve a círculos de influência, favorecimento ou qualquer coisa assim. Acho que há, sim, enormes problemas nessa seleção que diz reunir “os melhores jovens escritores brasileiros”: os mesmos problemas que podem ser vistos em outras áreas no Brasil. Como num país com 26 estados (mais o DF), que representa quase 50% do território da América do Sul e com diversidade cultural enorme apenas três siglas – RJ, RS, SP – podem representar grande parte do universo da Granta, seja dos textos, dos autores ou dos jurados? Entendo que a Granta esteja interessada no lucro comercial – ou ficaremos apenas achando que ela faz parte de um esforço internacional de propaganda das diversas faces da literatura? – e não em esquadrinhar e ser justa com a diversidade da literatura brasileira. Mas não posso deixar de cobrar uma coletânea que pretende desde o título ser a vitrine do que há de melhor na produção literária nacional. Ninguém precisa explicar o caráter mercadológico do nome dado à coletânea, mas também não se pode deixar de lado o fato de que, já que a Granta propagandeia a si mesma como a portadora dos textos dos melhores autores nacionais, que pelo menos se esforce em chegar o mais perto possível desse trabalho – o que obviamente englobaria a preocupação com a diversidade das fontes criadoras.
Retorno ao texto de Marcelo Coelho para fazer um último questionamento: estaria a literatura brasileira mudando, ou simplesmente estamos utilizando o corpus errado? De maneira mais específica: será a prosa regionalista (e não hesito em afirmar aqui que essa expressão me parece mais do que discutível), por exemplo, que está desaparecendo ou simplesmente o modismo atual nas altas rodas literárias que já não concerne essa vertente como algo digno de nota?