3 filmes de livraria para nosso deleite
A crise no mercado editorial é tema candente desde sempre. A cada época, ela se renova em suas tecnologias, intensidades e nuanças, mas jamais deixou de afetar uns e outros na cadeia produtiva do livro. Neste século em que vivemos, com golpes, pandemias e tudo, a crise se agrava, obrigando autores/as, editores/as e livreiros/as a mais uma sorte enorme de malabarismos para sobreviver. As perguntas são muitas e estão sempre entrelaçadas a tudo, como nos lembra o vírus da vez. Autores sem trabalho, editores idem, livrarias sem leitores (essa é nossa crise constante das constantes), dificuldades com entregas, os Correios retirando o modo menos caro de enviar livros (mas já voltou atrás, glória!), uma cascata de dificuldades impensável até para a ficção científica ou os romances distópicos mais conhecidos.
Mesmo nesse cenário difícil, tortuoso e apertado, os livros, a leitura, os/as escritores/as e as livrarias sempre são tema de filmes, em variadas épocas, ao redor do mundo. Muitos filmes foram e são feitos sob a inspiração direta de livros; muitos outros têm como personagem principal um editor, um escritor ou uma escritora, um leitor ou uma leitora; muitas películas se passam tendo ao fundo uma livraria. E são essas que vou abordar, já que elas têm ocupado as páginas dos jornais, no meio desta pandemia, a pedirem socorro para que consigam sobreviver a mais este duro golpe. Só que, desta vez, ele vem do imponderável, do imprevisível, do emergencial, e não da ignorância de alguns, como costuma ser cá e acolá.
Salve as livrarias pequenas, tradicionais e independentes! Um viva a todas elas, acostumadas à dificuldade, e quem nos dera que não. Caros e caras leitores, se puderem ficar em casa, fiquem; de preferência na companhia de bons filmes e livros. E se forem adquirir livros, pensem nos pequenos negócios, naqueles que sobrevivem porque há paixão entre os ingredientes da sobrevivência.
(1) Mensagem para você
Divulgado Mens@gem para você, com esta malandragem internética no título, o nome original é You’ve got mail (Você tem um e-mail), como as mensagens automáticas de certos provedores, numa era em que os e-mails sobressaíam entre as ferramentas para troca de mensagens. A película é norte-americana, lançada em 1998, dirigida pela nova-iorquina Norah Ephron, já falecida, e estrelada por Tom Hanks e Meg Ryan.
É difícil não dar spoiler quando se quer contar sobre filmes, mas a ideia geral é a seguinte: o enfrentamento entre duas livrarias concorrentes, uma pequena e tradicional e outra, no endereço de frente, filial de uma grande rede. Meg Ryan é Kathleen, a dona do charmoso e pequeno negócio; Tom Hanks é Joe Fox, dono da megastore de frente. O que transforma essa discussão num debate de fundo é o romance entre os dois, que começa por e-mail e sob pseudônimos (nicknames, àquela altura), e depois vai se revelando. Uma graça, comédia romântica das boas, mas também interessante para uma discussão sobre algo que já vimos passar por aqui, no Brasil: grandes redes que sufocam pequenos negócios do livro. Talvez já estejamos adiantados e já saibamos o fim surpreendente que isso teve... pior para as grandes redes.
Mens@gem para você foi escrito por Nora e Delia Ephron com base em uma peça de teatro dos anos 1930 (Parfumerie, de Miklós László) e elas adaptaram as tecnologias aos anos 1990, claro. Outro filme feito sob inspiração da mesma peça foi The shop around the corner (1940), além do musical In the good old summertime (1949), este estrelado por Judy Garland, protagonista de um filme atualíssimo, ganhador do Oscar.
(2) Severina
Um livreiro jovem, solitário, caladão, morador do mezanino de sua própria livraria, é arrebatado pela beleza de uma pretensa cliente, ladra de livros. Daí tudo se desenrola, num cenário quase sempre escuro e interior, a própria livraria, numa narrativa com direito a romance, mistério e assassinato. Mais uma vez, o pequeno negócio de esquina, numa rua de Montevidéu, é sustentado por seus frequentadores fiéis e pela solidariedade entre os donos de outras livrarias tradicionais, que resistem à concentração econômica e à escassez de leitores e consumidores de livros, em tempos de tecnologias digitais.
Severina é o nome do livro que inspira o filme, de autoria do escritor contemporâneo guatemalteco Rodrigo Rey Rosa. A película é uma produção Uruguai/Brasil de 2018, com direção do brasileiro Felipe Hirsch, estrelada pelos atores argentinos Javier Drolas e Carla Quevedo, com trilha do músico gaúcho Arthur de Faria. Ganhou vários prêmios (livro e filme!) e encantou muitos espectadores, em geral os que entendem a paixão que move leitores/as, escritores/as e livreiros/as ao redor do mundo, há séculos.
(3) A Livraria
Inglaterra, 1950, pós-guerra e uma jovem viúva de nome Florence Green (Emily Mortimer) resolve refazer a vida saindo de Londres e abrindo uma livraria na casa velha que era dela, numa pacata cidade do interior. Ela terá muitas dificuldades com a vizinhança, em especial com os/as poderosos/as da vila, que farão de tudo para impedir seu negócio de prosperar. A charmosa livraria dá certo por algum tempo, durante o qual muitas relações com as pessoas se revelam, assim como as histórias dos livros que chegam em caixas e atraem sedentos/as leitores/as à vitrine.
A narradora da história é Christine (Honor Kneafsey), a ajudante de livreira, criança ainda, esperta e dona de um senso crítico raro naquela província. Não à toa, é justo ela que nos surpreende, ao final da película. Um drama de bela fotografia, envolvente e com um ar de filme antigo, embora tenha sido lançado em 2017.
A Livraria (no original, The Bookshop) foi inspirado no livro homônimo da escritora inglesa Penelope Fitzgerald (1916-2000), ganhadora do Booker Prize. O roteiro é da diretora catalã Isabel Coixet e foi gravado no norte da Irlanda e em Barcelona. Outros personagens importantes são vividos por Patricia Clarkson e Bill Nighy. Um primor.