A poesia de Thiago E.
Thiago E nasceu debaixo do céu-sol de Teresina em 1986. É poeta de testes, músico em reabilitação labiríntica, professor com problema de visão e driblador de gagueira. Na UFPI, formou-se em Letras e, na bebida, busca esquecer. Lançou o projeto de poesia Cabeça de Sol em Cima do Trem – livro e disco. Com a banda Validuaté, gravou alguns álbuns, o mais recente é o CD e DVD Validuaté ao vivo. Edita a revista Acrobata. E também trabalha na Comunicação do MP-PI.
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a língua é um triste molusco, chora um pranto negro e escuro ( molusco triste é essa língua ) lembra e lambe sua dor fina ; dentro da boca, tal molusco chora a falta do seu casco : quer de volta o tempo justo, voltar pra lenda do passado ; lenda velha, antes da boca, tinha concha e casa, escudo e força, mas, num mistério da matéria perdeu a parte mais eterna – se fez só língua e se desintegra ; a língua é um triste molusco já sem esperança, no escuro, de reaver seu casco, ter futuro, resigna-se com riso de chumbo ; como lhe resta ser mesmo língua, linguagem, motor – sempre e ainda – é na boca pá e palavra ( fala igual como quem cava ) cava com o corpo um liso assoalho – chão de carnes gêmeas, molhado, buscando na cabeça o antigo casco : roupa e casa, escudo e agasalho ; a língua é um triste molusco, já não sabe se é carne ou um soluço – sem concha, se reinventa no escuro – sem cara, existe feito um espectro espasmo movimento um obgesto
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a pressa traz nos braços sua bagagem de atrasos ; distribui de bom grado relógios enferrujados ; engorda na avenida e ergue novos obstáculos ; a pressa pintou-se moça e diz dar conta do recado ; chegou cedo e abriu a fábrica pro operário ; a mil por hora faz máquinas muito rápido ; a pressa medida com fita métrica tem tamanho de máximo ; corre com as pernas bem abertas empurrada pelo horário ; não descansou com o funcionário e acendeu o asfalto ; a pressa abraça as ruas, os telhados, mas não se vê tentáculos ; ajudou a motorista a jantar, a juntar o salário ; a pressa mostra a pá com a qual enterrará o passado ; acabou com a festa dos pássaros no mato ; não seca o suor na testa do trabalho forçado ; se fez sangue e força destes dias, destes maios ; constrói a época em que mais nada é acabado ; a pressa e trinta inícios por segundo por projetos ávido ; a pressa apenas, e apenas por pressa e princípios tem apreço ; a pressa só, sem limites, sem finais, sem desfecho – só começo:
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o que surgiu primeiro e criou tudo, uns dizem o silêncio – outros o escuro ; não foi boom de big bang brilho puro, nem foi uma explosão chamada deus ; as coisas corpo cosmo e o que nasceu têm bem menos de luz e mais de breu ; repara o natural nesse universo : basta piscar e a noite vem pra perto ; no céu matéria escura por completo ; o sol e um dia só vai se apagar ; tanta lâmpada engana a noite cá, mas a luz cumpre um prazo pra durar ; em breve o truvo volta pro seu ponto, mostrando o breuniverso em que me encontro – somente o escuro fica infindo assombro ; o que criou todo esse espaço em curso ( calor e o modo orgânico no mundo ) uns dizem o silêncio – outros o escuro ; parecem ter surgido os dois juntos – um bloco concentrado cego e surdo – e vão permanecer princípio e fim de tudo : começo de um gorgulho, gente ou susto, o impulso do esculêncio ou silenscuro
ORELHA
- é uma casa na cabeça – encerada e sem madeira não tem porta para entrar: recebe a ressonância e esse som reside lá. 2. clareia o ir do cego – seu sentido mais aberto. e mostra-lhe a cara do barulho ali por perto. 3. maquinaria que me deixa ereto. 4. canteiro de obras – estribo martelo bigorna. 5. caixa do tímpano aos cuidados do otorrino. 6. vontade não te põe em pé – e sim o interno ouvido. 7. quem tem transtorno de equilíbrio passa a se preocupar com isso. vai aprender palavra nova no hospital: vectonistagmografiadigital. 8. Com vertigem e mal estar, suplica algo pra amparar. mas onde? não há nada com o que se pareça: é uma queda dentro da própria cabeça. 9. reabilita o labirinto – deitado, em pé, sentado – com roupas confortáveis – pra cima, pra baixo. 10. você precisará fixar o olhar – é o gancho para agarrar. 11. piracetam e cinarizina ajudam na circulação central três vezes ao dia. 12. sua freqüência se distancia da violência da microfonia. 13. mora também em página de livro antigo, mas essa não sabe dos brincos. 14. lugar pra compor o segredo de liqüidificador. 15. criança danada tinha a orelha puxada pra lembrar do certo – diz a história: a orelha é da deusa memória. 16. onde começa o saber. 17. ultraleve. 18. é concha sem mar na praia da pele e sob o cabelo espera um gesto que a revele