16 de março de 2016

A poesia de Vitória Régia

A poesia de Vitória Régia chama atenção pela sutileza das imagens criadas através do entrelaçamento das palavras. Autora do livro "Partida de não dizeres", publicado pela Substânsia, em 2015, Vitória é uma das novas poetas que deve ser lida com cuidado. Abaixo alguns poemas inéditos.

 

Meus olhos ao mar
Fito o cheiro do sal
Lambendo os dedos. Viça.
Abandono sobre o infindo
Plenitude e comunhão.

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Ritual de excesso: colheita dos lírios
A mão que colhe o céu, semeadura estéril
Me sugaram demasiado Amor
Extinguiram o túnel gritante das primaveras
Recatada na veia porosa
Abro a página de Lazarus
a morte é pintada do sangue espirrado da asa
Perseguição dos gestos altivos
A rainha exilada em secretos brios
E os fios de ardor da voz distante; estátua sem nome
O estômago é esfaqueado na névoa
Agora preso nas linhas que desvelam o dente que fere
Inebriante dança: o sonho amarelo
Olvida a cama vazia
As vozes reverberam as ranhuras
E a cada nascente os bichos se soltam
Espanto os espiões que sorvem no último gole vermelho vivo
Colho os lírios, nova estação
E visto-me das rendas
Coroada solar: engulo a fúria estéril
E respiro a próxima quimera.

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Pele trêmula. Lépido vento espalha teus cabelos
Teus pelos, devagar acaricio
Enquanto espero os barcos que passarão por aqui
E chove. Escuro céu, escuros teus olhos
E corações perigosos calam
Escuro teu nome
Moreno teu rosto
E eu aguardo tudo nascer das flores e do mar.
Não me inflamo. Você, se crava no barco incendiado.

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Nos intervalos em que permaneci muda
Pensei em todas as vezes que cedi
Ao temperamento dos meus apelos
Entre uma e outra, sou sempre duas
Ou três, ou quatro.
Múltipla e plena
Levantei um cais mais seguro com o tempo
As horas são mais justas, mesmo confusas
Estar mais distante do passado
É um conforto ou tormento
Ceder requer coragem, e muito mais para romper o silêncio.

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Te escavo nas ideias
Brevidade querendo terra
Escorrida no momento agora
Das mãos que não apreendem desmerecimentos
Como de ser desejo
Sem sorver a água
Que sai da tua boca e dos teus poros
Em instantes de retalhos
Onde me encontras lassa. Beleza incerta:
Intensidade mesurada na tua carne
E na minha sem segredos
Lírio lânguido, liquidez que desagua em ti
No tempo vaguidão de sentenças:
Tudo nos deixa desfeitos
Quando os petardos dos teus outros nomes me invadem.

 

Vitória Régia reside em Fortaleza. Leciona, escreve e fotografa.