A poesia de Adriano Lobão
Adriano Lobão Aragão nasceu em Teresina, 1977. Autor dos livros Uns Poemas (poesia, 1999), Entrega a Própria Lança na Rude Batalha em que Morra (poesia, 2005), Yone de Safo (poesia, 2007), as cinzas as palavras (poesia, 2009), Os intrépidos andarilhos e outras margens (romance, 2012), além de diversas participações em coletâneas e revistas. Editor da revista eletrônica dEsEnrEdoS (www.desenredos.com.br).
E-mail: lobaoaragao@gmail.com
a COLUNA de SÃO SIMEÃO
.
I. scriptio continua
oquerepousaemsuacoluna
emmoldeimpurosefaz
noquebuscadisforme
tuaimagemesemelhança
II. lectio
fazer de uma ideia objeto
fazer da fé uma coluna
estar perto do céu
naquele tempo não mais
havia gigantes sobre a terra
estar no alto de uma coluna
São Simeão o estilita
elevar a fé à loucura
desejo de repousar entre as estrelas
esquecer a carne
que essa se corta nas espadas
que essa se devora
em rituais de um novo mundo
onde se canta a bravura
dos inimigos
que essa se penetra
quando o instinto devora
mesmo sem pagar o preço
de nova vida
elevar-se ao céu
exige seu sacrifício
no campos de Senaar
os homens erguem a coluna
onde a força divina divide os homens
vencidos pela linguagem
que se confundam
por todas as outras regiões
Santo Simeão em sua coluna
não tem com quem se confundir
um mundo moldado a sangue
outro se refaz em silêncio
III. emendatio
corrigir um ato
refazer a coluna
reanotar cada indicação do caminho
onde não há horizonte
restam nuvens por solução
reelaborar o caminho
para continuar o mesmo
toda obra de um homem
se refaz no tempo
como tudo que é sólido
se desmancha no sangue
um homem busca corrigir seu tempo
que sozinho se esvai
IV. enarratio
palavra sobre palavra
uma linguagem se constrói
cada palavra guarda sua metáfora
uma a uma se encaixam
como as vértebras da coluna
interpreta linguagens
de homens e anjos
V. judicium
avaliar cada coluna
com seu eremita no alto
e todos que lá não puderam estar
toda linguagem
serenidade de quem colhe tempestade
tranquilo
avaliar cada linguagem
com sua metáfora
na margem do silêncio
toda metáfora
eternidade que sozinha
se finda
a primeira travessia
estende teus braços, ó musa,
e deles remonte tuas asas
de tempos estes que esquecemos
a travessia da palavra impura
onde a glória de heróis
ecoa em canto e outras
batalhas se estendem
em campo branco
e sangue e mares
nunca Dante navegando
fica ao meu lado, Impura
como a primeira estrela
de um dia o presságio
do canto morto de pássaro extinto
desenterra meus ossos
o que deixei pelo caminho
e alimente estes campos
sem beleza sem ritmo
fica ao meu lado, Safo
neste caminho sem desvio
a voz de um verso se perde
e não percebo seu lume
entre aduladores e soberbos
não os olhe nunca
seguiremos nosso caminho
que outras vidas nos aguardam
e a obra de um homem
não se faz na eternidade
ali estavam meus pés
que jamais me levaram
além desta terra escura
onde estranhas criaturas
cultivavam sofrimentos
nos ombros alheios
muitos levantavam a vista
para os céus e gritavam
aqui estou, Senhor
esconda minhas chagas
nestes campos permanecem
meus pés ali plantados
quando um dia em fuga
não me acompanharam
alimentados de medo
dor e ódio
não me permitiriam
mais que rastejar
apoia meu corpo
e deste barro molda novos pés
acolhe com tuas mãos
a forma de suportar esta jornada
que os espinhos são longos
e a estrada profunda
enquanto novamente suplico
que minhas fraquezas
não se concentrem
em meus calcanhares
ali estavam minhas mãos
em eterno esforço de escultor
sem métrica que te ofereço
afazeres de artesã
em que me reconstrói os membros
dispersos oferecidos aos ventos
nesta travessia
te ofereço este corpo
que carregas por este fronte
e costuras pedaços
de outros soldados
em molde impuro
este novo braço que me preparas
herdado do autor de carta
amorosa sem resposta
de nada serve se o tempo
do amor já é passado
quando estive em batalha
perdi a guerra por uma única palavra
se te afastas muito
meu vazio grita silêncios