A estrutura narrativa de um telefone sem fio
Atualmente, são muitos os romances que não ultrapassam as 200 páginas, talvez porque os autores não consigam mais enlaçar as ações de suas histórias de uma maneira bem estruturada fazendo que o leitor permaneça firme e forte na leitura. Daí, a necessidade de se fazer um texto curto, que beire apenas as cem primeiras páginas. Não que eu possua algo contra, mas as grandes aventuras parecem estar sendo deixadas de lado. Não existirão, talvez, mais as epopeias fantasiosas?
Na realidade, isso não importa. O comentário surge apenas porque também tenho notado que, aos poucos, os livros que chegam até a minha caixa de correio foram diminuindo sua lombada. Mas isso também pode não querer dizer nada, e ser apenas uma observação. Mas um ponto que não pode passar despercebido é como os autores conseguem estruturar, muitas vezes, uma história mentalmente para passá-las para o papel.
No caso de Alma Pontes, personagem principal do livro Telefone sem fio, de Vera Rossi, a memória é que comanda a história, ao mesmo tempo em que escreve sobre o momento em que vive. As ações que são contadas, e o plano de fundo onde tudo acontece, existem num vai e vêm nada mecanicista. A autora sabe muito bem como arquitetar todo o tempo narrativo da história de Alma Pontes, uma mulher que tem sua vida contada desde o início de sua infância.
Fiquei intrigado com a escrita de Vera Rossi, pois ela partiu da infância da personagem até os dias atuais, realizando uma varredura na vida da personagem Alma Pontes, desde os anos 90, talvez até um pouco antes disso, até os dias atuais. E isso é importantíssimo, pois em alguns momentos é possível observar o plano político em que seus personagens viveram. Por um momento vislumbrei estar lendo uma história na qual um romance político, não sei se isso existe, pudesse acontecer, como Llosa, por exemplo, já o fez em A festa do bode.
Apesar de a história não ir no viés que eu imaginava, ela consegue, do início ao fim, manter a narrativa como poucos escritores no Brasil, atualmente, que chegam a se tornar enfadonhos na décima primeira página. No caso de Telefone sem fio, foi este o ponto que mais me chamou a atenção, mais até do que a personalidade de Alma Pontes, que deixa claro as mudanças de personalidade que podemos ter ao longo da vida e a entrega à melancolia que realizamos ante aos problemas. Para mim, Alma é melancólica, vai se tornando assim, totalmente diferente da menina que brincava no pátio do prédio. Mas sua melancolia vem com a perca. E esse sentimento a acompanha durante anos e mergulhamos em sua dor quase da mesma maneira que ela, pois a escrita de Vera Rossi nos aproxima, ao invés de nos deixar como espectadores da personagem, como Henry Fielding faz em Tom Jones.
Afora isso, o que me deixou intrigado foi a maneira pela qual Vera trata a fala dos seus personagens que reflete as idiossincrasias de cada um deles. A forma como Alma fala não é a mesma que sua mãe ou seu marido Carlos. O que contribui, acredito, para que o leitor se sinta mais perto de toda a história e, como já disse, afeiçoe-se a eles. A história de Alma Pontes narra passado e presente, possibilitando que aos poucos compreendamos por qual razão, quando fala em primeira pessoa, pedindo passagem ao leitor, seja possível entender a sua necessidade de escrever. É como se a sua salvação, como a de tantos outros escritores pelo mundo, fosse a escrita. Fica a parecer que ela sempre escreveu durante todos os dias da sua vida, e que o que faz agora, contar sua história, nada mais é do que uma parte de si.A literatura dessa maneira une Alma a si própria. Ela não busca uma salvação, pois não há. Ela busca não perder as lembranças que teve com o irmão, e das histórias entrelaçadas que possuíram a partir de terceiros. Alma não deseja que toda a história que possuiu se perca como as histórias que contamos quando brincamos de telefone sem fio.